quinta-feira, 31 de julho de 2008

Um dos casos. Maumau - O Bandido miseravão

Censura, porque não?

Cena 1 – O jornalista entrevista um homicida que acaba de ser preso e que sorrir alegremente por estar diante das câmeras de tv. Após algumas afirmações feitas pelo “profissional” da comunicação a exemplo de: Ele é o mizeravão! O terror da cidade! O jornalista no termino da entrevista manda que o mesmo fale o jingle da marca de cerveja que patrocina o programa, ele o faz, e arremata: Eu só tomo dessa e bem gelada.

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Cena 2 – O ancora do programa “jornalístico” não cansa de anunciar entre um intervalo e outro: Menor é drogada e abusada sexualmente por quatro homens, depois tem imagens colocadas na Internet. Vamos mostrar as cenas chocantes não mudem de canal.

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Cena 3 – Só no final do programa, distorcendo-se as imagens, as cenas da menor são mostradas, mas, continuam claras no seu sentido e intenção. O apresentador diz, que por se tratar de uma menor não podem mostrar o rosto dela na entrevista. Logo após, entrevista a mãe, que mostra o rosto, filma a fachada da casa da mesma, e vai a escola entrevistar colegas de sala da vitima. Como se não bastasse faz a reconstituição do crime utilizando atores para mostrar o que não foi para a Internet. As cenas são repetidas durante toda a semana.


O jornalismo mudou. Desde os tempos em que o primeiro jornalista imprimiu a sua marca com a célebre frase que demonstrava a sua suposta indignação: “Isso é uma vergonha” observamos uma escalada sem limite e muitas vezes sem ética, dos programas jornalísticos. Não se trata de simplesmente noticiar o ocorrido, e sim, explorar ao máximo as possibilidades midiáticas dele. Atualmente, as emissoras de tv descobriram uma nova forma de exploração, alguns chamam de Freak Show ou Show dos Horrores. Na Bahia, dois programas dominam esse segmento no horário nobre, disputando ponto a ponto a atenção da população: Se Liga Bocão e Que Venha o Povo. Ambos se auto-intitulam a voz do povo, se dizem socialmente responsáveis, e que estão prestando um serviço de extrema importância para a população. As praticas são as mesmas, explorar ao máximo a miséria do fato e para isso utilizam as mais vis práticas midiáticas, tudo para seduzir o público. Definitivamente, as lagrimas só já não bastam.

O por que do fenômeno de audiência desses programas é algo complexo e digno de ser estudado a fundo. Famílias e grupos se amontoam em frente a tv para assistir a entrevistas de marginais que são expostos, ora por desconhecimento do seu direito de não veiculação da imagem, ora por vontade própria, afinal de contas, o crime seduz e oferece status em uma sociedade que vivencia varias formas de propagação da cultura da violência, não somente por meio da tv, mas também, por meio das lan houses que pupulam nas periferias com jogos extremamente violentos como Grand Theft Auto (GTA) e Swat.

A satisfação de quem ver e de quem quer ser visto é algo explícito e perturbador. A violência assim, atinge todos os níveis possíveis da naturalização, banalização e estimulo ao ato. Não interessa a condição da vitima ou do autor. A promoção do espetáculo é o que conta, nessa verdadeira apologia ao crime construída a partir de um modelo publicitário de conquista da audiência em detrimento da real informação. O que dizer de mais de duzentos policiais se mobilizando para levar um traficante ao aeroporto para ser transferido a outro Estado, como vimos recentemente na cidade? a cobertura foi feita até por helicóptero onde dava para ver de cima a carreata de carros que acompanhava a “personalidade”. Os policiais são figurantes, e sabem disso, exercem bem o seu papel, assim como o Estado omisso. A população por usa vez é refém da sua própria confusão de discernimento entre o real e o virtual, entre a vida e a dramaturgia das personagens da “novela”, a medida em que vivencia todos os dramas na carne já anestesiada pela falta de perspectiva. Não existe diálogo entre os meios de comunicação e a população. O exercício da cidadania e escolha são vistos como valores perdidos no conceito de massa, que só precisa ser entretida por um instrumento que a muito já deixou de ser apenas um eletrodoméstico, afinal, no Brasil existe mais televisores do que geladeira.

Falar em censura nesse país soa como uma grande heresia, algo que vai de encontro ao Estado Democrático de Direito, A Liberdade de Expressão e nos remete aos porões da ditadura. É o que dizem. Sempre desconfiei da “democracia” que vivemos. Nunca entendi esse modelo aliado a concentração de renda, miséria, desigualdade de tratamento por parte da justiça, manipulação do espaço público, alistamento militar e voto forçado. A democracia que vivemos é algo que entendo como valor para a elite que detém o conhecimento e as formas de produzi-lo, pois possuem mecanismos para isso. A educação de qualidade, o acesso a tecnologias de ponta, que sem duvida, não é a condição de acessar a Internet de alguma lan house, são formas negadas a grande massa alienada, fruto de uma sociedade que se acostumou com privilégios e favores.

Pensar o controle do que é publicizado tendo como centro órgãos reguladores, não falo da figura do censor publico dos tempos da ditadura, e sim de organismos que fizessem parte Ministério Público, Sociedade Civil e órgãos sérios da imprensa, seria dar a população a possibilidade de decidir sobre uma questão fundamental nos dias atuais, que é o controle do que é veiculado pelos meios de comunicação, via consultas publicas onde se colocassem claramente os pontos a serem discutidos e a importância de tais medidas. A sugestão da faixa etária feita pelo Governo aos programas de tv já se mostrou ineficiente, já que parte do princípio do horário veiculado e não da complexidade dos fatos exibidos. Os fatos aqui descritos no inicio do texto se desenrolaram entre 12:00 e 14:00 horas, onde a classificação é livre, ou melhor, a sugestão de exibição é livre.

Imaginar que a livre escolha do que se deva ou não assistir, sem ao menos oferecer opções e informação, deva partir da “consciência” da população que a tempos foi subtraída do seu papel de protagonista, é um equivoco, já que hoje existe uma quase padronização dos programas de tv e da forma de se fazer “jornalismo”, onde o que é priorizado é o índice da audiência. Alguns programas chegam a comemorar no ar quando o índice sobe, e para isso procuram usar o máximo de sensacionalismo nas matérias e imagens exibidas. Esse poder de independência não esta na capacidade de mudar de canal, não esta no simples ato de um dedo, e sim na informação e na construção de uma cidadania de direitos partindo da educação e da informação crítica, e aí sim, realmente livre e democrática.



Hanka Nogueira

Luz e Força

terça-feira, 29 de julho de 2008

Introdução: "Da Cor do Bronze Novo"

"Uma feita o Sol cobrira os três manos de uma escaminha de suor e Macunaíma se lembrou de tomar banho. Porém no rio era impossível por causa das piranhas vorazes que de quando em quando na luta pra pegar um naco da irmã espedaçada pulavam aos cachos para fora d"água metro e mais. Então Macunaíma enxergou numa lapa bem no meio do rio uma cova cheia d"água. E a cova era que nem a marca dum pé de gigante. Abicaram. O herói depois de muitos gritos por causa do frio da água entrou na cova e se lavou inteirinho. Mas a água era encantada porque aquele buraco na lapa era marca do pezão de Sumé, do tempo que andava pregando o Evangelho de Jesus pra indiada brasileira. Quando o herói saiu do banho estava branco louro de olhos azuizinhos, água lavara o pretume dele [à]. Nem bem Jiguê percebeu o milagre, se atirou na marca do pezão de Sumé. Porém a água já estava muito suja do pretume do herói e por mais que Jiguê esfregasse feito maluco atirando água para todos os lados só conseguia ficar da cor do bronze novo [à]. Maanape então é que foi se lavar, mas Jiguê esborrifara toda a água encantada para fora da cova. Tinha só um bocado lá no fundo e Maanape conseguiu molhar só a palma dos pés e das mãos. Por isso ficou negro bem filho dos Tapanhumas. Só que as palmas das mãos e dos pés dele são vermelhas por terem se limpado na água santa [à]. E estava lindíssimo no Sol da lapa os três manos um louro, um vermelho, outro negro, de pé bem erguidos e nus [à]."1

Nos idos de 1928, Mário de Andrade recontou, à sua maneira, a famosa fábula das três raças. Depois de terem sido tão iguais, os irmãos acabavam ganhando as cores das "gentes locais", por conta de um milagre da natureza ou de um atributo de não se sabe quem. Nesse caso, porém, a narrativa surgia em meio a uma série de outras aventuras e desventuras de Macunaíma, esse herói "sem nenhum caráter". De toda maneira, no conjunto do livro, destacava-se uma intenção de incorporar culturas não-letradas indígenas, caipiras, sertanejos, negros, mulatos, cafuzos e brancos, cujo resultado era menos uma análise das raças e mais uma síntese das culturas locais. Afinal, a fórmula "herói de nossa gente" veio substituir expressão anterior "herói de nossa raça", numa clara demonstração de como o romance dialogava com o pensamento social de sua época e buscava se contrapor à versão pessimista, de finais do século 19, que entendeu a miscigenação como uma espécie de mácula nacional.

Mas, se essa é uma história famosa e dileta, não deixa de ser, também, uma "versão". Uma versão que remete a outra estrutura maior, que, de alguma maneira, vem repensando a nação a partir da raça, às vezes nomeada em função da cor. Pode-se afirmar, sem medo de errar, que, na maioria das vezes em que oficialmente se falou sobre esse país, o critério racial foi acionado: ora como elogio, ora como demérito e vergonha. No entanto, assim como se sabe que o nacionalismo é, no limite, uma invenção, é preciso deixar claro, também, que não se trata de um discurso meramente aleatório.

O fato é que não se manipula no vazio e que, apesar de muitas vezes pragmáticos, os rituais, ícones e representações nacionais dificilmente se impõem de forma apenas exterior. Entender as marcas simbólicas do poder político significa perceber como é possível descobrir intencionalidade na cultura política, mas também atentar para o fortalecimento de um imaginário nacional, que buscou raízes nos ditos populares e em certa maneira particular de entender a cor e a raça. Estamos diante, portanto, de representações que, além de estarem ancoradas na estrutura socioeconômica mais imediata, são partilhadas coletivamente, mesmo que reapropriadas segundo padrões nem sempre idênticos. E mais: nesse processo, a composição mestiçada da população sempre pareceu chamar atenção.

É por isso mesmo que este livro procurará acompanhar a trajetória do conceito "raça" em nossa história particular, sem abrir mão de pensar o momento presente e seus desafios.2 No primeiro capítulo, "Raça Como Negociação", o leitor será convidado a viajar pelos diferentes caminhos que o termo percorreu entre nós: desde meados do século 16 até os anos 1930 e depois até o contexto atual, o conceito ganhou visões variadas, que oscilaram entre as leituras mais românticas e as teorias detratoras. Na seqüência "Falando de História: Ser Peça, Ser Coisa", vai-se procurar analisar o impacto da escravidão brasileira na estrutura local e o perfil basicamente conservador do movimento abolicionista brasileiro.

Não se pretende, porém, limitar o problema ao passado. Ao contrário, a forma atual e particular que a questão racial assume aqui será o tema de dois outros capítulos. Em "Frágil Democracia: na Dança dos Números",interpretaremos os dados da demografia censitária, que vêm comprovando a existência de um apartheid social velado no país. Já em "Nomes, Cores e Confusão", a idéia é lidar com cenários paralelos: a "raça social" (que faz com que as pessoas "embranqueçam ou empreteçam", conforme a situação social e mesmo econômica) e o uso escorregadio da cor, que transforma raça em efeito passageiro, ou tema para a exclusiva nomeação. Para complicar ainda mais, no capítulo 5, "Raça Como Outro", estaremos diante dessa modalidade original de preconceito; um preconceito alterativo que localiza no próximo, ou no vizinho ao lado, a discriminação.

Concluímos com "Fechando ou Abrindo Essa História", já que "ninguém é de ferro". Questões desse tipo são melhores para pensar do que para resolver: vale mais incomodar e provocar do que estar à cata de receitas fáceis e prontas, ou poções mágicas que anunciem o final derradeiro do problema. No que se refere ao tema racial, estamos bem longe de um "E viveram felizes para sempre".

1 Mário de Andrade, p. 37-8.2 Este texto guarda uma formulação original, mas representa, em alguns pontos delimitados, uma nova investida na discussão iniciada no ensaio de minha autoria "Nem Preto, Nem Branco, Muito Pelo Contrário", publicado no livro História da Vida Privada no Brasil, v. 4 (São Paulo: Companhia das Letras, 1998).
"Folha Explica - Racismo no Brasil"

segunda-feira, 14 de julho de 2008

A Declaração Universal dos Direitos Humanos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um dos documentos básicos das Nações Unidas e foi assinada em 1948. Nela, são enumerados os direitos que todos os seres humanos possuem

Preâmbulo

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os todos gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum,

Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,

Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações,

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades humanas fundamentais e a observância desses direitos e liberdades,

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

agora portanto,

A Assembléia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos

como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Artigo I.
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Artigo II.
1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Artigo III.
Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo IV.
Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo V.
Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

Artigo VI.
Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.

Artigo VII.
Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo VIII.
Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Artigo IX.
Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo X.
Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo XI.
1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo XII.
Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Artigo XIII.
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.
2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.

Artigo XIV.
1. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.
2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XV.
1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

Artigo XVI.
1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.
2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.
3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.

Artigo XVII.
1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Artigo XVIII.
Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular.

Artigo XIX.
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Artigo XX.
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica.
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo XXI.
1. Todo ser humano tem o direito de fazer parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.
3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

Artigo XXII.
Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo XXIII.
1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.

Artigo XXIV.
Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.

Artigo XXV.
1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.

Artigo XXVI.
1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

Artigo XXVII.
1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.
2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor.

Artigo XXVIII.
Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Artigo XXIX.
1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.
2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.
3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XXX.
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Identidade e Auto-estima: Uma visão para Afro-descendentes

Identidade e Auto-estima: Uma visão para Afro-descendentes
Por: Valter da Mata

A identidade é a questão central por ser compreendida como um constructo que envolve o indivíduo, portanto algo pessoal, escolhido e produto de sua própria autoria; contextual por desenrolar-se no contexto onde o indivíduo atua e interage portanto tem um aspecto cultural; social por necessitar da validação desse constructo pelo outro como pertinente e histórico uma vez que as ocorrências de construção e transformação se dão num espaço e ao longo de uma vida.
A identidade é vista de uma forma concreta, objetiva mas, a maioria do processo se dá na subjetividade do autor e dos atores que possibilitam a articulação do individual com o universal. Ou seja, os modelos se apresentam e atuam no coletivo, mas o processamento é resultante do processo de cada um.
Segundo Erikson (1976), a formação da identidade é algo processual, histórico, referenciado. Ele ressalta a importância do modo como se dão as conquistas do indivíduo e como são resolvidos os conflitos. Isso envolve de forma singular as figuras parentais e outros modelos de referência para o indivíduo e mais tarde o contexto em que está inserido.
As figuras parentais reforçam, rejeitam ou se omitem perante as identificações demonstradas pelo indivíduo e, conforme essa correlação de fatores adicionadas ao processo de socialização, o indivíduo construirá um modelo de identidade que permitirá que ele atue da maneira que se sinta mais coerente com as crenças aprendidas durante todo o percurso da formação da sua identidade.
“A criança em crescimento vê a cada passo uma sensação vitalizante da realidade a participar da percepção de que sua forma individual de dominar a experiência é uma variante bem sucedida de uma identidade grupal e está em harmonia com seu espaço-tempo e com o seu plano de vida. Ou seja a identidade será autêntica se validada pelo seu grupo de referência através do reconhecimento como realização com significado na cultura.” (Erikson, 1976)
Ferreira (2000) percebe identidade como um processo dinâmico em torno do qual o indivíduo se referencia, constrói a si e a seu mundo e desenvolve um sentido de autoria. Assim ela possui uma direção, um propósito e obedece a uma política pré determinada. Caminha na direção que aponta uma melhor adaptação do indivíduo de forma que ele possa entender e viver o melhor possível no seu mundo dentro da sua própria concepção. O propósito é adquirir uma estabilidade emocional, relacional e política uma vez que precisa estar em conformidade com as exigências do seu meio e está em jogo toda uma relação de poder e força por trás de cada concepção, valor e organização da sociedade da qual ele é produto e produz.
Em Ciampa (1996) a identidade vista como movimento, correlação de forças e morte-vida, ou seja algo que se atualiza o tempo inteiro portanto, trazendo em si a idéia de ciclo, onde se apreende, se mantém, se descobre outras possibilidades, se avalia, se complementa, se abandona algo, se transforma, se integra. Esse processo não é linear e nem ocorre da mesma forma com todos os indivíduos, todo processo pessoal, social e histórico tem que ser levado em conta.
A identidade étnica e seus estágios
Para entendermos a identidade do afro-descendente, precisamos inicialmente conceituar identidade étnica. Tratando-se de Brasil, ressaltamos notadamente as características fenotípicas, particularmente a cor da pele. d'Adesky, salienta como Abou (1985) define grupo étnico como "indivíduos que possuem, a seus próprios olhos e diante dos outros, uma identidade distinta, enraizada na consciência de uma história ou de uma origem comum. Esse fato de consciência tem por base os dados objetivos de uma língua, de uma raça, ou de uma religião comum, às vezes de um território, instituições ou traços culturais comuns, embora possam faltar algumas dessas características". Assim sendo a identidade ética, vem a ser o auto-reconhecimento de pertença a um grupo de origem, ser reconhecido como pertencente a este grupo pelos outros.
Ferreira (2000), citando Helms (1990), afirma que os afro-descendentes atravessam determinados estágios (Submissão, Impacto, Militância, Articulação), até formar uma identidade afirmada positivamente.
No estágio de submissão, há pelo afro-descendente uma idealização do “mundo branco”, visto como superior, enquanto desvaloriza o “mundo negro”, mantém-se afastado do grupo de referências, referenciando-se em valores brancos. Inclusive, porque aprende socialmente que suas referências não têm valor socialmente positivo.
A educação formal, estimulando estereótipos sociais, a submissão do afro-descendente aos valores brancos e introjetando valores negativos atribuídos socialmente a sua matriz africana, Silva (1995), favorece a fixação das pessoas no estágio de submissão. Além de passar uma visão distorcida da história, em que o povo africano é associado à passividade e desumanidade, sem heróis e modelos que sejam referências para as crianças afro-descendentes, que se identificam com o padrão branco-europeu associado ao que é belo, inteligente e positivo.
Outro exemplo singular para reforçar a depreciação da matriz africana é a valoração negativa das manifestações religiosas, consideradas como exóticas e primitivas até por autores que defendem uma visão crítica, dialética e processual da identidade como Ciampa (1996) que na sua tese de doutoramento se observa a depreciação da religião africana em uma das suas reflexões sobre a construção de identidade da personagem principal da sua história: "Era ainda a participante de sessões de macumba ou de espiritismo, só com outro vestuário e noutro cenário. Seu mundo ainda era o mundo mágico e primitivo dos feitiços e dos encostos". (pg. 106)
Nos espaços religiosos os membros da comunidade afro-descendente compartilham conhecimentos, sentimentos e emoções comuns, e fortalecem vínculos de aliança e estruturam as identidades Luz (1992), d’Adesky(1988).
Braga (1992), fala com propriedade: " O candomblé não representa tão somente um complexo de crenças alimentador do comportamento religioso de seus membros. Ele constitui, na essência, uma comunidade detentora de uma diversificada herança cultural africana que pela sua dinâmica interna é geradora de valores éticos e comportamentais que enriquecem, particularizam e imprimem sua marca no patrimônio cultural do país. E, diferentemente de outras formações religiosas, o candomblé é uma fonte permanente de gestação de valores e de promoção sociocultural que se sobrepõem à dimensão cultural-religiosa structu sensu, plasmando contornos da identidade do negro no Brasil".
Ao tomar consciência da discriminação, através de alguma experiência significativa, que negue as previsões da pessoa sobre os acontecimentos de seu mundo, ou como na maioria das vezes, pelo efeito cumulativo de uma sucessão de episódios vividos, é possível haver uma transformação desses processos e, em decorrência, o afro-descendente atingir o estágio de impacto.
Após este período, o afro-descendente passa a desenvolver um nova estrutura pessoal referenciada em valores étnicos das matrizes africanas, determinando o estágio de militância; em que há um apego obsessivo a símbolos da nova identidade em constituição, acompanhada por uma aversão e negação de valores brancos. Neste momento não há uma perspectiva positiva de suas matrizes étnicas, mas se o indivíduo se fixa neste estágio, mantém o mesmo padrão de subjetividade que visa transformar, ou seja uma estrutura pessoal que favorece o preconceito, nesse caso, contra a população de matrizes branco-européias.
O momento de militância é fundamental para recuperação e revalorização dos valores da história do afro-descendente, levando-o a revisar valores introjetados no período de socialização. Nesse momento fica mais explícito o ciclo de vida e morte, transfigurando uma não-identidade, em outra possibilidade de se ver e estar no mundo.
Para Erikson (1968), o dado étnico é algo que surpreende pois ao mesmo tempo em que põe o afro-descendente como uma sub pessoa - ou seja ele constitui ao longo da sua vida uma identidade negativa, ou seja, constitui-se como produto de uma matriz a ser negada, vinculada ao que lhe é considerado como nocivo, indesejado e inferior pela sociedade onde está inserido – a partir da re-elaboração dos fatos esse mesmo dado vincula fortemente o indivíduo a suas matrizes e possibilitam toda uma articulação de forma a avaliar de forma crítica, considerar aspectos conflitantes e a partir daí se constituir de forma positiva e afetiva consigo e com os suas matrizes.
“.....Descobri uma grande alegria. Descobri que sou negra. Eu sou negra! ...” Erikson (1968).
A partir da apresentação desse fato o autor conceitua essa descoberta e testemunho como totalismo, um reagrupamento interior de imagens, quase uma conversão negativa, por meio do qual os elementos de identidade negativa tornam-se totalmente dominantes, ao passo que os elementos anteriormente vistos como positivos acabam sendo totalmente excluídos. É o estágio de militância no seu apogeu.
Quando os valores associados a matrizes étnicas distintas não são considerados antagônicos e as matrizes africanas são positivamente afirmadas, o afro-descendente atinge um estágio de articulação, onde há predominância de atitudes positivas frente a alteridade. A retomada de sua história de forma crítica, desapaixonada permite ao indivíduo as pazes com sua matriz, seus antepassados e consigo próprio. Dessa forma ele está mais forte para interagir com o outro enquanto diferente, e se relacionar de forma articulada, saindo do status de inferior para o de igualdade, valorizando sua singularidade ou diferença de matriz, contribuindo para a diversidade que potencializa o encontro das pessoas.
“Pretendo contar no meu governo com negros e brancos, mulheres e homens, com gente do morro e do asfalto”. Essas foram as palavras de Benedita da Silva, primeira afro-descendente a assumir um governo de estado brasileiro à repórter Liana Melo (Revista Isto É, n.1697, 05/04/2002), demonstrando parcimônia e respeito frente às diferenças étnicas, que é uma das características mais evidentes do estágio de articulação.
Convém salientar que os estágios são momentos de vida em que preponderam certos dinamismos pessoas em relação aos outros, não implicando a ausência de particularidades dos processos descritos nos outros processos, se interpenetram num processo que se assemelha a um círculo contínuo, no qual circunstâncias idiossincráticas podem levar o indivíduo a retroceder na sua caminhada de construção de uma identidade positivamente afirmada. Não tendo a idéia de padrões fixos que se sucedem em uma seqüência linear, mas, sim, momentos em que o indivíduo expressa atitudes e concepções particulares desenvolvidas sobre si mesmo, sobre outras pessoas e sobre seu mundo, dentro do processo de desenvolvimento da identidade.
Auto-Estima
Ultimamente a palavra auto-estima vem sendo amplamente utilizada, na maioria das vezes de forma equivocada é verdade, mas cada vez mais as pessoas percebem a importância dessa instância. O verbo “estimar” vem do latim estimare , “avaliar”, cuja significação é dupla: a um só tempo, “determinar o valor de” e “ter uma opinião sobre”, assim sendo, segundo André (2003) auto-estima vem a ser a forma como valoramos a nós mesmos, a opinião que temos sobre nós mesmos. Uma proposição interessante é “ como a gente se vê, e se a gente gosta ou não do que vê”.
A auto-estima sustenta-se em três pilares: o amor a si mesmo, a visão de si mesmo, a autoconfiança. O equilíbrio desses três componentes é fundamental para a obtenção de uma auto-estima harmoniosa.
O amor a si mesmo é o elemento mais importante, uma vez que estimar implica em avaliar, amar não está sujeito a nenhuma condição: ama-se independentemente dos defeitos, limites e fracassos. E amar-se incondicionalmente não depende dos nossos desempenhos. Possibilita que consigamos resistir às adversidades e nos recompor após um fracasso.
A visão de si mesmo, vem a ser aquele olhar que se lança sobre si, essa avaliação fundamentada ou não, que se faz das próprias qualidades e dos próprios defeitos. Não se trata de apenas um auto-conhecimento; o importante não é a realidade dos fatos, mas a convicção que se tem de ser portados de qualidades ou defeitos, de potencialidades ou limitações.
A autoconfiança vem a ser o terceiro componente da auto-estima e normalmente é confundida como se fossem a mesma coisa - a autoconfiança aplica-se sobretudo aos nossos atos.Estar confiante é pensar que se é capaz de agir de maneira adequada nas situações importantes. Diferentemente dos dois primeiros componentes, a autoconfiança não é muito difícil de se identificar, basta estar próximo regularmente de uma pessoa, observar seu comportamento em determinadas situações, sejam elas desconhecidas, sob pressão, imprevistas, etc. A autoconfiança assim descrita parece ser a componente menos importante da auto-estima, na verdade uma resultante dos outros dois componentes.Em parte é verdade, mas seu papel é primordial uma vez que a auto-estima precisa de atos para manter-se ou desenvolver-se; pequenos êxitos no cotidiano são necessários ao nosso equilíbrio psicológico , assim como a alimentação e o oxigênio são necessários ao equilíbrio corporal.
Dois sentimentos são muito importantes na “alimentação” da auto-estima: o sentimento de ser amado e o sentimento de ser competente. E são justamente nesses dois sentimentos que os afro-descendentes vem sendo relegados a segundo plano, pois acima de tudo o preconceito e a discriminação racial tem como fim último a manutenção do status quo dos descendentes de europeu, ou simplesmente a manutenção do poder político e econômico na mão das pessoas de pele mais clara.
Referências Bibliográficas
ANDRÉ,Christophe Auto-estima: amar a si mesmo para conviver melhor com os outros , Christophe André e François Lelord; tradução de Luca Albuquerque – Rio de Janeiro:Record: Nova Era, 2003
BENTES, Raimunda N. M. Negritando, Belém , Graphitte Editores, 1993.
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ERICKSON, Eric H. Infância e Sociedade, Rio de Janeiro, Zahar editores, 1976.
____________ Identidade Juventude e Crise, Rio de janeiro , Editora Guanabara 1968.
FERREIRA, Ricardo Franklin. Afro- descendente: identidade em construção, Rio de Janeiro, Pallas, Educ S –Paulo, 2000.
FIGUEIRA, Vera Moreira. O preconceito racial na escola, in Estudos Afro-Asiáticos, Rio de janeiro, n.18, 1990
LUZ, Marco Aurélio. Da porteira para dentro, da porteira para fora, in SANTOS, Juana Elbein (org). Democracia e diversidade humana: desafio contemporâneo, Salvador, SECNEB, 1992.
MELO, Liana. A poderosa Bené. Revista Isto É, n.1697, 05/04/2002.
SANTOS, Hélio. Uma teoria para a questão racial do negro brasileiro. A trilha do círculo vicioso, São Paulo em Perspectiva, Revista da Fundação SEADE, v.8, n.3, 1994.
SILVA, Ana Célia. A discriminação do negro no livro didático, Salvador, Centro Editorial e Didático – Centro de Estudos Afro-Orientais, 1995.
______________. Desconstruindo a discriminação do negro no livro didático, Salvador, EDUFBA, 2001.
SILVA, Danniela. Racismo ainda influi na hora de contratar, Salvador, Bahia - Jornal A Tarde, Caderno 7, 17/03/2002.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Em julgamento, a igualdade


Dois ativistas do movimento em favor das cotas contam como se articula a luta para que o STF as ratifique, sustentam que apenas uma minoria rejeita as políticas de inclusão racial e afirmam que está em jogo o próprio direito da sociedade a ir além da democracia institucional
Bruno Cava
(29/06/2008)

Dando continuidade ao último texto publicado nesta coluna - "A função racial da universidade" -, apresento o ponto de vista de dois militantes pró-ações afirmativas. Ambos estiveram em Brasília, no começo de maio, promovendo o "Manifesto em defesa da justiça e da constitucionalidade das cotas e do Prouni"
O manifesto defende as políticas de promoção de igualdade racial. Por isso, se contrapõe à articulação conservadora que pretende impedir a adoção de cotas raciais nas universidades. Um dos lances mais importantes desta articulação foi sustentar, em 2007, que a garantia de uma parcela das vagas para estudantes não-brancos é inconstitucional. Isso foi feito por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn), incluída em abril na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF). Se aceita pelo Supremo, a ADIN poderia liquidar as políticas afirmativas, hoje adotadas em 64 universidades federais e estaduais.

O documento pró-cotas mobilizou a esquerda brasileira e rapidamente multiplicou as assinaturas. Contou com apoios dos mais diversos setores: o arquiteto Oscar Niemeyer, o sub-procurador-geral da República Juarez Tavares, o rapper MV Bill, o reitor da UERJ Ricardo Vieiralves, o líder do MST João Pedro Stédile, os cineastas Nelson Pereira dos Santos e Jorge Furtado, os atores Lázaro Ramos e Taís Araújo, entre outros. A UNE e a UBES também subscreveram o manifesto. Os dois entrevistados, tão próximos dessa mobilização, são: Alexandre do Nascimento, coordenador do Movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC) e Alexandre Mendes, defensor público do estado do Rio de Janeiro (Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro).
Le Monde Diplomatique: Vocês foram a Brasília, junto com a militância dos movimentos negros, entregando o manifesto em favor das políticas de cotas raciais no dia 13 de maio. Como foi essa mobilização?

Alexandre do Nascimento: Fiz parte do grupo que redigiu, organizou e mobilizou as adesões ao manifesto. A tônica é a defesa da constitucionalidade e a importância das cotas como política de redução da desigualdade e democratização das instituições do ensino superior. O manifesto enfatiza as lutas que produziram o atual debate e as políticas de ação afirmativa no Brasil e polemiza com os argumentos contrários às cotas.

"A mobilização mostrou que o documento contrário às cotas expressa uma pequena parcela da sociedade brasileira, que tem dificuldade de reconhecer o caráter democrático das políticas de inclusão racial"
Alexandre Mendes: Fiquei bastante impressionado com a amplitude e a força da mobilização em favor das cotas raciais. O manifesto foi preparado rapidamente e, em apenas 24 horas, reuniu cerca de 800 assinaturas (atualmente, são milhares). Estudantes, professores, artistas, intelectuais, organizações, pré-vestibulares populares e movimentos sociais de todo o Brasil enviaram imediatamente apoio à política de cotas para negros. Fiquei muito satisfeito com o apoio vindo do mundo jurídico. A Defensoria Pública do Rio de Janeiro, por meio do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, foi a primeira instituição jurídica a subscrever o documento. Depois, conseguimos apoio de juristas como Fábio Konder Comparato e o Sub-Procurador-Geral da República, professor. Juarez Tavares. A ante-sala do gabinete do ministro Gilmar Mendes ficou repleta de pessoas que compareceram ao STF para a entrega do texto. Nesse sentido, a mobilização em torno da defesa das cotas raciais demonstrou que o "manifesto dos 113" [contrários às cotas] expressa somente uma pequena parcela da sociedade brasileira, que tem dificuldade de reconhecer o avanço democrático representado pela política de inclusão racial vigente.

Como foi a reunião com o ministro Joaquim Barbosa?

Nascimento: Foi uma preliminar. O ministro é favorável às cotas e defende sua constitucionalidade. Conversamos sobre o clima e a dinâmica do STF, e entregamos o manifesto. Ele foi cauteloso e não revelou quando pretende liberar o processo, pois pediu vistas. Nossa reunião principal foi com o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, ao qual entregamos oficialmente o manifesto. Todos os ministros receberam uma cópia.
Mendes: A história de vida do ministro Joaquim Barbosa é um notório exemplo da existência real de pesadas barreiras, dificuldades e interdições vividas pelo negro, no Brasil e no mundo, quando busca realizar seus desejos e aspirações. Em várias entrevistas divulgadas na época de sua posse, ele relatou ter vivido um brutal sentimento de solidão e isolamento por não pertencer ao "ambiente branco", em especial quando estudou direito na Europa (Universidade de Sorbonne). Por outro lado, no caminho que percorreu para chegar de encarregado de limpeza do TRE-DF a ministro do Supremo, conheceu, também, as ricas possibilidades geradas pelo acesso ao conhecimento (e de sua produção), aliado às múltiplas e diversificadas vivências que sua condição racial e social proporcionou. Em minha opinião, esse conjunto de fatores pode explicar a defesa das cotas raciais, sustentada por ele no livro Ação afirmativa e princípio constitucional na igualdade: O Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA, lançado em 2001. Em Brasília, mesmo não tendo adiantado nenhuma posição, em razão de seu status de magistrado, a expectativa é que seu voto seja não somente favorável, mas muito bem fundamentado.

Passados quase seis anos de políticas afirmativas concretas na educação, qual a avaliação do movimento negro?
Nascimento: A avaliação é positiva. As cotas já são uma realidade no Brasil, mas ainda não estão consolidadas nacionalmente como política pública. A maioria das iniciativas de cotas são das próprias universidades. As exceções são o estado do Rio de Janeiro, que possui uma lei estadual instituindo cotas no ensino superior, e o Prouni, que possui cotas para negros e indígenas. A posição do movimento negro é que uma lei federal é importante. As cotas estão ajudando a produzir uma classe média negra. E, mais importante, estão ajudando a abrir as instituições de ensino superior, historicamente criadas para as elites e que, ao longo do tempo, vêm produzindo e reproduzindo as desigualdades, inclusive raciais. Outro aspecto importante é que as cotas ajudam a sociedade a ver os negros de outra forma, na medida em que houver mais profissionais de nível superior negros e negras.
"Mais que constitucionais, as cotas são constituintes. Têm a ver com a possibilidade de um regime político definido pelas mobilizações sociais, que produzem e garantem valores como liberdade e igualdade"
As cotas raciais são constitucionais? Justas? Democráticas? Racistas?

Mendes: As cotas raciais são mais do que constitucionais, elas são constituintes. O que está em jogo é algo que vai além da democracia institucional. Tem a ver com a possibilidade de admitirmos um regime político definido pelas mobilizações sociais, que produzem e garantem concretamente valores como liberdade e igualdade. As cotas raciais não foram produzidas pela dinâmica jurídico-constitucional, mas pela atividade intensa e cotidiana dos pré-vestibulares para negros e pobres que exigiram novas formas de acesso ao ensino superior. Baruch de Espinosa, bem antes do que se convencionou chamar "constitucionalismo", já afirmava, no século 17, que o poder político só poderia existir enquanto permanecesse atual o "sujeito instituinte", denominado por ele de multidão (multitudo). A democracia é justamente o regime político em que o problema da fundação deveria permanecer sempre atual. As cotas raciais são justas e democráticas exatamente por expressarem o desejo de uma nova política de acesso à universidade, que possa mobilizar os desejos e a esperança de milhares de brasileiros negros e provenientes, em geral, dos bairros pobres das cidades. Mas é claro que os argumentos jurídico-constitucionais são importantes e devem ser levantados. O princípio da igualdade material tem sido apresentado como o fundamento para as diversas ações afirmativas de inclusão. Além disso, temos como objetivo constitucional da República brasileira a construção de uma sociedade livre e solidária, a erradicação da pobreza e das desigualdades sociais.
O manifesto, de forma oportuna, também cita o artigo 4º da Convenção Internacional sobre Todas as Formas de Discriminação Racial (decreto 65.819/1969), que oferece respaldo às ações afirmativas. Todavia, percebo que um artigo importante sobre o tratamento constitucional ao ensino e à educação ficou um pouco esquecido na defesa das cotas raciais. Trata-se do inciso que estabelece o princípio da garantia do padrão de qualidade. Está se comprovando ano a ano que o acesso desses jovens na universidade incrementa a qualidade de ensino, seja pelo desempenho dos novos alunos, seja pela experiência de novas vivências, reflexões, ações e questionamentos que aparecem com a democratização do aprendizado. É preciso perceber que o ensino só possui qualidade se for democrático, múltiplo e diversificado. Posso colocar o exemplo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), que depois a adoção de cotas está muito mais aberta, criativa e produtiva. Não é por acaso que a UERJ esteve presente no manifesto através da assinatura do reitor da universidade, do vice-diretor, do centro acadêmico do direito e de vários professores. Devido à melhora no acesso universitário, a UERJ hoje oferece uma experiência universitária de maior qualidade. Da mesma forma, está se tornando evidente que a melhor forma de combater o racismo consiste no aprofundamento da democracia. Tenho certeza que as cotas impulsionam esse movimento constituinte.

Qual o impacto de uma decisão desfavorável no STF? Como isso seria encarado pelo movimento?
Nascimento: Seria um enorme retrocesso. O movimento negro, o primeiro a lutar por escola pública de qualidade para todos, passou um século batalhando para que a sociedade compreendesse o papel negativo do racismo. Hoje, a sociedade é, na sua maioria, favorável às cotas. Uma decisão negativa obrigaria a luta a se voltar para o Congresso, pois seria necessária uma emenda constitucional. Mas acreditamos que o STF fará prevalecer a sua responsabilidade pública, a sua responsabilidade com a consolidação da República (res publica, coisa pública) e com a Constituição, pois as cotas são constitucionais. Além disso, hoje são mais de meio milhão estudantes cujo direito de estudar foi garantido pelo Prouni e pelas políticas de cotas.
Independentemente da decisão, o movimento negro continuará lutando por políticas que combatam o racismo e democratizem a sociedade.

Bruno Cava é colunista do Caderno Brasil de Le Monde Diplomatique.

terça-feira, 1 de julho de 2008



Cheguei aqui em Salvador há quatro dias. Vim para filmar Ó Paí Ó, que agora está tendo um desdobramento, virando série para ser exibida na TV. Só no domingo consegui ir visitar uma parte da minha família que mora na Federação. Ao chegar lá, às 19 horas, percebi que a rua estava vazia. Imaginei ser o vazio normal e soturno dos fins de domingo, que nos prepara para começar a semana. Ao chegar em casa, alguns dos meus parentes e vizinhos estavam lá, assistindo televisão. Começaram a me contar as novidades. Lá para as tantas perguntei por que eles estavam em casa e fui surpreendido como que por um soco, com a informação de que era por causa do "toque de recolher".
Não entendi. Não consegui crer que, nas ruas onde eu fui criado e podia brincar, até pelo menos 23 horas com tranqüilidade, as pessoas não tenham mais o direito de pôr o rosto na janela de suas casas a uma hora daquelas. Não consigo crer que vários assassinatos de policiais, traficantes e inocentes estejam se tornando uma constante.
Conflito armado! Aqui, eu abro parênteses para dizer que, mesmo morando no Rio, ouvi falar de alguns casos de violência ocorridos nesta região de Salvador. As histórias me mobilizaram e entristeceram, mas pensei que eram casos isolados como os que acontecem esporadicamente em todas as grandes capitais. Infelizmente, ouvi a frase que mais me amedrontava: "Isto aqui está parecendo alguns lugares do Rio".
Moro no Rio de Janeiro há oito anos. Gosto muito, sou bem tratado. Reconheço todas as suas qualidades, geográficas, de oportunidades, de luta das pessoas para resolver os problemas que a história carioca gerou.
Mas, nunca me acostumei com a idéia de que, em algumas localidades, havia toque de recolher, e a idéia de que o tráfico de drogas e conflitos armados causavam tantos danos a várias vidas, estejam elas envolvidas ou não com o crime.
Recentemente, fiz uma novela que, da maneira que o autor pôde ou quis, discutia a vida numa comunidade. De forma não explícita, percebíamos códigos que uma comunidade como aquela criava para sobreviver
A equipe técnica do programa que dirijo e apresento (E spelho, Canal Brasil) é toda composta por ex-alunos formados pela Central Única das Favelas (Cufa) – organização que busca dar uma outra alternativa para os jovens dessas comunidades, seja profissionalmente, seja no campo do referencial. No primeiro momento, incorporei esses jovens ao programa como uma atitude política. Depois, isso virou uma necessidade profissional: são competentes e agarraram a oportunidade com unhas e dentes. Ou seja, o tema não está longe da minha vida.
Mas não há como chegar e ver o Garcia, a Federação, o Calabar e tantos outros bairros passando por essa situação, e não ter um sentimento como o que estou tendo agora.

Então, como primeiro passo, escrevo.
Escrevo para falar com meus conterrâneos. Escrevo para falar aos envolvidos nessa situação; sejam aqueles que estão envolvidos no tráfico e matam seu irmão; sejam os policiais que estão enfrentando essa situação, que é uma bomba-relógio; sejam os que perderam seus entes queridos. E, principalmente, para falar às autoridades e a todo aquele que não sabe o que está acontecendo, ou aquele que, como eu, sabe dessas situações e, de alguma maneira, está protegido com a falsa distância. Falsa, porque essa situação está muito próxima de nós, por mais que não percebamos tudo isso mais claramente.
Agora me vêm a mente várias perguntas: o que eu posso fazer? O que eu vou fazer? No que se transforma o personagem que estou fazendo no Ó Paí Ó? Qual o sentido da arte? Como o Estado vai intervir nisso? O que nós faremos para acabar com esse absurdo? Por que o morador da mesma cidade, uma cidade cheia de questões para serem resolvidas, mata o outro desse jeito? Qual a alternativa que vamos dar às nossas crianças e adolescentes? Pergunto, também, o que as autoridades farão para conter essa situação? Esta pequena reflexão é um desabafo, esperançoso de que nosso esforço coletivo e emergencial vá mudar esse quadro.
Tenho esperança. Na conversa com a minha família e vizinhos, o tom em que eles falavam ainda não continha o conforto e a acomodação. Eu vi desconforto, medo e, principalmente, inadequação à realidade como esta.
Não merecemos isso.

Ainda tenho esperança de ver, nesta mesma rua que passei minha infância, outras crianças brincando – e tendo outra alternativa que não o medo e a ilusão de que o seu futuro não pode ser melhor. O Futuro pode ser melhor, sim! P.S.: ao sair da casa da minha família, uma viatura passou por mim em alta velocidade, os policiais com armas em punho.
Bem no lugar onde antes eu me escondia para não ser encontrado, pois estava brincando com meus amigos...

*Ator baiano

Fonte: Publicado no 1º caderno do Jornal A Tarde, em 17/06/2008