sexta-feira, 27 de março de 2009

A Expropriação Contemporânea do Ser Negro


Hanka Nogueira


Em recente conversa com Dona Valdina Pinto, e como sempre, atento as suas incomodações com a realidade atual, ouvi mais uma vez uma afirmação que me deixou intrigado: Hanka, o racismo hoje é bem pior. Ainda que tenhamos avançado, percebo ele bem mais forte. Dona Valdina é uma pessoa rebelde – ainda que achem de forma errônea que rebeldia é para inconsequentes -, a rebeldia esta na cerne de todo e toda aquela que não se contenta com pouco, com migalhas, que não se cala para fazer de conta, e continua a lutar para se chegar ao lugar almejado. Doa a quem doer. De corpo altivo e visão futurista, mais uma vez Dona Valdina aponta caminhos e vaticina. O racismo, nunca foi tão violento. Atento a essas palavras, percebo uma realidade descortinar-se dentro de um censo crítico e prático. E penso.

O racismo do Sec. XXI - Apesar da “aceitação” comercial do estereotipo negro: suas tranças, danças, musicalidade, ritmos, roupas e tudo mais que signifique ser afro (?), ainda que para alguns, propositadamente, a ideia equivocada de Ser Negro, esteja atrelada a marcas de “identidade” meramente produzida frente ao espelho. Sem conteúdo, nem conhecimento das simbologias que estas trazem. E, apesar de algumas organizações e “representações” da chamada Comunidade Negra - termo mais acertado para se pensar parte da população, dentro de uma homogeneidade simbólica e prática, mais correto seria falar em População Negra, aí cabe a verdadeira heterogeneidade da raça em sua diversidade e principalmente contradições -, fazem com que o discurso e atos dos profissionais do ramo se percam diante da realidade e/ou fique atrelado a seus grupos: acadêmicos, ongs, lideranças, famílias. Elitizados nos hábitos cotidiano, assistindo tudo de camarote. Literalmente. Ai cabe a representação do racismo em sua mais perversa perfeição. Transmutável, atemporal, dinâmico, modernamente rentável e cooptador.

A rentabilidade como domesticação - A expropriação cultural, religiosa, simbólica e de tudo mais que faça parte do universo do Ser negro, é, sem duvida, a face do racismo mais contundente nos dias atuais. A vulgarização das relações pessoais, do modo de vida dos negros e negras segregadas, a banalização dos problemas vivenciados no dia a dia, a visibilização dos ritos e mitos sagrados, a folclorização das religiões e de tudo que pertença ao universo da negritude, é comercializado numa sanha lucrativa sem limites. Descaradamente usurpado em nome de uma “cultura regional” cômoda para alguns, diga-se de passagem, “irmãos” negros - “detentores” do direito a comercialização -, por outro lado, rentabilizado por um pequeno grupo que domina os meios de comunicação e o aparelho estatal. Vende-se tudo. Da alma a dor, as necessidades e as conquistas históricas e sociais, da sublimação da vida desumana a morte trágica. Transformando-se tudo que signifique ser baiano, que se entenda como cultura baiana, em um conceito de domesticação, capitalizando-se valores humanos e sociais, pesando-se tudo em balança viciada. De um lado, uma construção cultural rica e facilmente vendida. Do outro, um povo que possui uma riqueza autonegada como forma de aceitação da miserabilidade que vive, de entrega passiva do patrimônio que possui. O não enxergar, o não rebelar-se, faz parte da trama, da complexidade da teia dentro desse neo-racismo. Mas, a rebeldia ainda é ferramenta de guerra para poucas e poucos. Cabe ouvir atentantemente aquelas e aqueles, que possuem algo a dizer e deixar de lado as reproduções de discurso e praticas contrarias a Historia de luta dos que se foram.


Luz e Força

segunda-feira, 2 de março de 2009

A Sociedade Brasileira, e sua Caminhada para Morte


Hanka Nogueira


A mídia nacional insiste em publicizar em um espetáculo mórbido, que chega a durar meses, a depender da possibilidade de exploração do fato, os crimes cometidos com atos de crueldade, principalmente contra a classe média. Um observador desatento não pensaria duas vezes em comemorar a “preocupação” da imprensa com a manutenção da ordem e do direito a segurança. Se, por um lado, você tem uma imprensa vigilante e ativa. Por outro, você observa um Estado ocioso e paciente. Engana-se quem aposta na desestruturação da maquina pública e sua inoperância perante a violência. O fato, é que, perante os crimes publicizados cresce as declarações nas ruas a favor da pena de morte. A medida passou a ser desejada por grande parte da população desatendida pela segurança publica e refém da imprensa de massa. O Estado puni, assim como vigia - ainda que achem que ele é inoperante e incompetente -, e na medida em que cala e permite a onda de violência, assinala para um estado punitivo mais duro, na verdade, esta mais do que nunca requerendo o seu monopólio a violência e ao “direito” de matar.

Erro Histórico – As ordenações Afonsinas e Manoelinas – leis impostas que regulamentavam o funcionamento e a ordem na recém “descoberta” colônia brasileira –, já Aplicava a pena de morte, onde os alvos principais sempre foram índios e negros. O espetáculo previa a morte pela forca, fogueira ou pela espada. Após a execução, o corpo era esquartejado e tinha os pedaços espalhados nos quatro cantos da cidade, pendurados em postes, ficavam durante meses cobrindo a cidade com o cheiro da fedentina dos restos apodrecidos. Os revolucionários da Revolta dos Búzios (1789), assim como, os líderes do Levante do Rio Joanes (1814), são exemplos desse festim macabro. Enforcados, tiveram as cabeças cortadas e os pedaços pendurados na praça municipal. No Sec.XIX, mais especificamente em 1830, o Código Penal da recém proclamada independente colônia brasileira, previa a pena de morte em casos de homicídio, latrocínio e principalmente insurreições escravas – rebeliões -, onde o acusado era conduzido pelas ruas da cidade, para, dentro de uma pedagogia “preventiva”, ser exposto ao olhar da população, para que, a mesma, visse o “espetáculo” e soubesse o quanto dura e cruel seria a punição daquele que subvertesse a ordem estabelecida. A pena de morte foi aplicada até a segunda metade do Sec. XIX, quando por um erro judiciário foi morto Mota Coqueiro, em 1855, na região de Macaé, acusado por desafetos políticos de ter assassinado oito colonos . Por se tratar de um homem branco pertencente a aristocracia brasileira, a execução abalou a população e ao imperador, que após o fato aboliu a pena de morte no Brasil. No Sec. XX, a nação brasileira foi signatária dos principais instrumentos de garantia a vida e a liberdade, a exemplo da: Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), culminando com a elaboração da Carta Magna de 1988. Documento maior, de proporção humanitária sem precedente no país, confirmando a sua caminhada a uma nação humanista e democrática.

O Estado no banco dos réus – Diante da crise ideológica da população e seus posicionamentos superficiais acerca do que venha a ser segurança pública e suas garantias de proteção a vida. Se torna necessária uma leitura ampla da “crise” da segurança e de significação do Estado Democrático de Direto em que vivemos. O seu trato com a violência e suas ferramentas de controle da mesma. A violência brasileira é ao mesmo tempo estrutural e conjuntural. Por um lado, a estrutura racista, segregacionista e de capitalização ferrenha dos valores públicos em suas praticas diárias, apontam para a repetição de praticas vis como os exemplos históricos elencados; O Estado brasileiro se assenta em bases coloniais no que tange principalmente as relações humanas. A sociedade aprendeu a se fechar, não somente em condomínios com a equivocada idéia de proteção a sua integridade física e ao seu patrimônio, desta forma, requerendo o direito de cidadão “livre” em busca do pleno gozo da sua liberdade as avessas. O não olhar das elites para a realidade das ruas e o seu distanciamento da mesma enquanto espaço publico, demonstra a capacidade perversa - em que se transmuta o Estado - enquanto regulador da ordem e das relações entre a população. A segmentação da população em nichos sociais, vivenciando violências em graus diferentes, ainda que se enganem achando que não são atingidos, é, ao mesmo tempo, a falência das relações sociais e a personificação do Estado excludente que criamos. Sim, criamos, pois o Estado é ao mesmo tempo criador e criatura.


A conjuntura atual da segurança publica é de fácil identificação a partir do processo de privatização da mesma: O abandono do aparelho de reclusão e “ressocialização” – penitenciarias -, o modelo de combate as drogas a partir, principalmente, da repressão a áreas segregadas e pobres, o abandono da corporação militar sem aparato tecnológico muito menos treinamento humano qualificado que atente para a realidade histórica e psicossocial do policial – negro, periférico, pobre, discriminado – ou seja, uma bomba ambulante. Nesse emaranhado de situações complexas – ou complexadas - a população se encontra perdida enquanto autoridade civil, destituída da mesma. Refém da própria cilada e discurso no imediatismo e na falta do poder de voz. Desta forma, atenta contra a própria liberdade e a possibilidade de intervenção no contexto social vivenciado delegando a um corpo simbólico - identificado por uma minoria fascista representada por uma mídia sensacionalista e de profissionais retrógrados da segurança publica - o ato de ser algoz, não somente do corpo físico que incomoda ou incomodará, mas, do sonho coletivo de uma sociedade realmente justa, livre e democrática como sugere a constituição.