terça-feira, 17 de junho de 2008

Policia e Ladrão

Policia e ladrão
Por: Hanka Nogueira



Recentemente a população de salvador assistiu a inúmeros casos de assassinatos individuais e coletivos, sempre em bairros pobres como o subúrbio ferroviário ou em localidades empobrecidas como a invasão do Calabar que apesar de se encontrar no bairro nobre de Ondina é uma ilha de pobreza e exclusão como toda invasão.

Não é novidade alguma a escalada de violência que Salvador enfrenta nos últimos anos, não quero aqui abordar a culpa de governo A ou B, ainda que tenham culpa sim, afinal de contas não podemos pensar segurança publica como medida de punição e não de prevenção a curto, médio e longo prazo. Segundo os dados do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos) a região metropolitana de Salvador se encontra desde o ano 2000 com o maior índice de desemprego do país, com uma media anual sempre acima dos 22 %. Portanto, oito anos a fio, e olha que durante esse período o segundo lugar se alternou entre outras capitais, e sempre com Salvador a frente o que engrossa a lista de espera de “funcionários” para a empresa do crime, mas, para não parecer economicista ainda que acredite que “a economia é algo muito serio para ficar nas mãos dos economistas” como certa vez disse Tancredo Neves, não é sobre economia que vou falar e sim sobre o discurso violento e hipócrita veiculado pelos meios de comunicação sobre esse caos urbano que vivemos.

O que me assusta nesses discursos seja pelo lado estatal ou de grupos “representantes” da população refém e “sem” voz, é o imediatismo e a necessidade falsa de apresentar o culpado, e para isso se valem da velha formula da dicotomia do bem contra o mal, do mocinho e do bandido. Infelizmente temos uma corporação militar desgastada e despreparada para lidar com a realidade atual e que encontra na mídia sensacionalista, essa, mais uma promotora da violência contra a população com suas matérias apelativas, divulgação para suas ações ineficazes. Cresci sabendo que tinha que ter cuidado com o ladrão e o policial e esse cuidado me fez tremer diante da policia inúmeras vezes, quando tive contato me foi doloroso (minha primeira experiência física de preconceito racial me veio por meio de uma abordagem policial na qual fui agredido) hoje, reconheço a enorme dificuldade que temos em mudar essa estrutura fascista montada com o objetivo de proteger o patrimônio e não a vida. Por outro lado, acredito em ações voltadas para a construção da cidadania a quem também é vitima do sistema, afinal de contas, quem é o policial se não o garoto negro de bairro pobre, excluído, que conviveu com violência, racismo e preconceito ao longo da sua vida. Tenho ex-alunos que são policiais, colegas de profissão que são policiais e que se alternam entre a sala de aula e as ruas, não são poucos os colegas universitários de áreas diversas que prestam concurso para a policia. Hoje, existe na corporação um núcleo de policiais que são de candomblé e que promovem o debate a cerca da intolerância religiosa e o desrespeito a pessoas de terreiro. Recentemente a Secretaria de Direitos Humanos começou a desenvolver aulas para policiais abordando assuntos como gênero, raça e religiosidade. O que não posso aceitar é o discurso de quem só pega carona na miséria, daqueles que a cada crime praticado na periferia culpa toda a corporação policial pelo feito, como se grupo de extermínio fosse uma regra, com se todo policial fosse homicida e inimigo. O que dizer das ganges de traficantes que pululam em vários bairros dessa cidade, nascidos e criados nesses bairros e que implantam o terror na comunidade onde moram. Basta observar o silencio dos moradores que escondem o rosto em frente as câmeras de tv e pedem para não ter a casa filmada. O que dizer do “dono da boca” que todo mundo sabe quem é e que anda armado exigindo respeito por meio da força. Perdi amigos e conhecidos no meio dessa problemática e sei que todos foram mortos pelos seus parias, seus iguais, mortos por dívida ou por rixas criadas a partir do ponto de venda das drogas, não quero de forma alguma justificar essas mortes, muito pelo contrario, sou um humanista e acredito na vida como bem maior, seja de quem for a vida. Porém, chamo a atenção para a irresponsabilidade do discurso vazio e sem nexo e por vezes mascarado em beleza fúnebre e cinza, de quem vive uma fantasia mórbida do imediatismo vão. Continuo tendo cuidado com policia e ladrão, mais ainda, com os repetidores de discurso, e com os heróis, esses sim, se apoderam da dor do coletivo e figuram politicamente pequeno diante da realidade.


Hanka Nogueira



Luz e Força