sexta-feira, 30 de abril de 2010


Salvador, a cidade que precisamos (re) construir


Por: Hanka Nogueira



Percebo a miséria daqui não mais como uma espécie de estagnação econômica indefinida, mas como algo que é mantido, provocado pelo próprio desenvolvimento econômico

Michel Foucault em 1976, visitando Salvador



História de extraordinária desigualdade e estratificação (excepcional até pelos padrões brasileiros) baseada em privilégios exclusivos, Salvador, é uma cidade atípica, perversamente congelada no passado. Onde se conseguiu e se consegue por meio da usurpação do Estado e posteriormente a sua transformação em balcão de negócios, a captura da memória da população e consequentemente a sua inércia. Negando a população da cidade o direito, a oportunidade de fazê-la sua por meio da construção da metrópole que se deseja habitar. Salvador esta se tornando a cidade das impossibilidades. Sua própria vida e seu próprio tempo se esvaem. A alienação e a destruição da cidadania se reinventam a cada instante em meio à incapacidade dos governantes, diga-se de passagem, sempre os mesmos, ou pelo menos nas praticas são bem parecidos. Em nome do imediatismo e da “aventura” eleitoral atiram a cidade e a população a própria sorte, desprezando o que aqui é regra. A riqueza imaterial do seu povo que esta centrada no conhecimento e no valor simbólico da sua cultura. Digo cultura e não o famigerado “folclore” que transforma todas as coisas e seres em produto. Governam como capitães hereditários, seus ancestrais e única referência, reivindicando o privilégio e a execução das ações para de vez em quando retira-los de sua tumba a fim de justificar um projeto de seu interesse. Posteriormente atrelados aos serviços de alguns poucos e seus herdeiros, para quem esse “espírito empreendedor” serve apenas a sua visão e lucro.



Os governantes que ai estão, sem duvida alguma em todas as esferas do poder, demonstram total incapacidade e condições morais inexistentes para conduzir a sociedade baiana a um novo momento. A outro patamar de desenvolvimento viável, concreto e sustentável. Mas, não nos enganemos, não se trata de um salvador da pátria ou de um novo messias cuja solução traz a tiracolo, mas, de alguém que tenha sensibilidade, competência, coragem e acima de tudo visão para impetrar junto a diversos segmentos e setores da sociedade uma proposta inovadora e criativa. Uma liderança que traga em si uma invocação para romper com o passado, para ousar imaginar um futuro diferente, para abraçar o moderno como um campo para experimentos e riscos tecnicamente calculado. Alguém que tenha capacidade e meios de construir um apelo aos cidadãos baianos para reviver a sua cidade como um espaço nacional de experimentação, dedicada a soluções importantes para sanar diversos problemas da vida urbana contemporânea. Uma liderança que tenha capacidade de ouvir e acima de tudo cumprir com a ação proposta. Somente desta forma poderemos avançar para a cidade que merecemos viver. Acredito que um grande projeto nasce da vontade inexorável de grandes homens e/ou mulheres, alicerçado em pensadores com alto nível de compreensão técnica e humana. E acima de tudo, com a participação ativa de amplos setores da sociedade civil altamente estimulada pelo novo. O futuro que desejamos é fruto do presente que vivemos. O futuro que teremos é resultado da coragem do agora.






segunda-feira, 26 de abril de 2010

Desenvolvimento, turismo e inclusão

Salvador está se tornando uma cidade global, palco de grandes eventos mundiais de entretenimento: já temos o Carnaval, vêm aí a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016. Orgulho para muitos, dinheiro provavelmente para poucos, preocupação para outros e, sobretudo, muitas transformações previstas para a cidade. Por isso, na expectativa dessa “nova Salvador”, surgem idéias, projetos e com eles diversos questionamentos: De que tipo de desenvolvimento estamos falando? Até que ponto turismo e desenvolvimento podem servir ou, ao contrário, prejudicar o processo de construção de uma sociedade inclusiva? Num momento em que se decide o futuro de uma cidade, tais perguntas são inevitáveis, legítimas e merecem uma atenção e reflexão especiais.

Esses mesmos questionamentos valem para muitos outros lugares pelo mundo e foram levantados pela ONG brasileira Vida Brasil no Seminário Internacional sobre Acessibilidade ao Ambiente, Turismo Inclusivo e Desenvolvimento, realizado na cidade de Maputo, capital de Moçambique, África, nos dias 1 a 3 de março de 2010. Promovido pelo GPDD (Global Partnership for Disability and Development), Banco Mundial e a organização Handicap International, o evento reuniu representantes de 18 países, principalmente africanos e lusófonos, com uma forte proporção de organizações de pessoas com deficiência. O objetivo: difundir o turismo inclusivo dentro e entre os países.

Ao contrário do que se costuma pensar, desenvolvimento e inclusão social não são necessariamente ligados ao crescimento econômico, ou seja, a uma elevação cada vez maior da produção e do consumo de bens e serviços. Aparecem muito mais ligados à redistribuição de riquezas, que deveria poder acontecer até sem crescimento econômico: em vez de buscar crescer, buscar antes de tudo partilhar melhor... Crescer a qualquer preço, de fato, não é adequado. Possuímos inúmeros exemplos na história de diversos países em que somente as classes mais ricas e depois as classes médias se beneficiaram de crescimento econômico, enquanto os mais pobres não tiveram acesso aos benefícios desse tipo de desenvolvimento. Foi o caso do Brasil nos anos 70 e até nos anos 90, quando o crescimento econômico levou ao aumento das desigualdades sociais e econômicas no país...

O turismo, como parte de uma política de desenvolvimento, também pode ser excludente. O caso das ilhas colombianas de San Andrés, Providência e Santa Catalina, é significativo. Neste arquipélago, situado no Caribe, próximo do litoral nicaragüense, assiste-se, há décadas, à hiperexploração turística e hoteleira. Mas o povo negro Raizal, presente há séculos, luta pela sua sobrevivência e permanência. Assim, tal modelo de turismo pode até incluir pessoas com deficiência com maior poder aquisitivo, mas, paradoxalmente, exclui a população local. Não se deveria pensar em promover uma política de desenvolvimento inclusivo sem levar em conta a questão da pobreza.

As mesmas preocupações atingem a Copa do Mundo, prevista para acontecer em 2014 no Brasil. Em Salvador, o projeto de construção de um novo estádio de futebol, idealizado por arquitetos alemães, traz muitas dúvidas: o novo campo corre o risco de ser subutilizado após os jogos da Copa, por ser financeiramente inacessível à maior parte do público que costumava freqüentar o estádio, mas também de ser ambientalmente danoso (com a demolição total do atual estádio), além de retirar da zona mais acessível da cidade o único complexo público de piscinas olímpicas atualmente existente, e até então muito utilizado pela população. Quatro jogos internacionais parecem pesar mais do que as necessidades da população local na definição das políticas e de projetos de desenvolvimento urbano e de turismo.

Não se deveria impor padrões de uma cultura global voltada para o entretenimento em detrimento de uma cultura e tradição local. A idéia segundo a qual o que é bom para o turista é bom para população local, está errada. A lógica deveria ser inversa: o que é bom para a população local é bom para o turista!


Por Damien Hazard, economista, coordenador da ONG Vida Brasil (unidade Salvador).


Publicado no Jornal A Tarde, no dia 02/04/2010