domingo, 29 de junho de 2008

Entrevista com Mangabeira Unger (Ministro de Assuntos Estratégicos)











10/03/2008 - 15:38)
Roberto Mangabeira Unger


Por Roberto Müller Filho e Jorge Luiz de Souza, de Brasília


Desafios - O que está faltando ao desenvolvimento brasileiro?
Mangabeira - Fui convocado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ajudar a formular e a debater um novo rumo de desenvolvimento para o país. O Brasil hoje está à busca de um modelo de desenvolvimento baseado em ampliação de oportunidades econômicas e educativas, e em participação popular. Nosso país tradicionalmente crescia dentro dos setores favorecidos e internacionalizados em sua economia. Esses setores geravam riqueza e uma parte dessa riqueza era usada para financiar políticas sociais. Agora, a nação quer mais do que isso. Quer transformar a ampliação de oportunidades tanto econômicas quanto educativas e engajamento cívico nos próprios motores do desenvolvimento, e desta maneira consolidar um vínculo íntimo, orgânico, entre o social e o econômico.

Desafios - Na prática, como é o seu trabalho?
Mangabeira - Meu trabalho nasceria morto se fosse apenas um projeto conceitual a respeito do futuro. O longo prazo tem de ser tratado a curto prazo. Não há nenhum projeto de longo prazo que valha a pena ser pensado que não tenha implicações imediatas para o que se faz aqui e agora. Por essa razão, eu orientei o meu trabalho para a definição e a construção de um elenco de iniciativas que antecipem e encarnem essa alternativa nacional que o país procura. E que sejam como que as primeiras prestações do nosso futuro.Com isso, imagino contribuir a uma dinâmica transformadora, ancorada nessas iniciativas concretas. Esse método não nos exime da responsabilidade de formular também uma estratégia abrangente e de longo prazo, econômica, social, cultural e política.Mas essa estratégia só viverá se estiver ancorada em ações concretas. Portanto, eu estou trabalhando simultaneamente nesses dois planos.

Desafios - Poderia resumir o seu projeto?
Mangabeira - As iniciativas estão em quatro grandes áreas: oportunidade econômica, oportunidade educativa, Amazônia e Defesa. Em oportunidade econômica, são três as iniciativas principais, que eu estou desenvolvendo em colaboração com os diversos ministros. A primeira é uma política industrial e agrícola de inclusão. A nossa política industrial brasileira, tradicionalmente, está voltada mais para as empresas e oferece a essas grandes empresas, tipicamente, isenções tributárias e condições melhores de acesso ao crédito, até mesmo crédito subsidiado. Mas uma das características estruturais de nossa economia é a predominância absoluta nela de pequenas empresas,de empreendimentos emergentes e muito restritos no seu acesso ao crédito, à tecnologia, ao conhecimento, ao próprio mercado. Aí reside a maior força potencial de nossa economia. Instrumentalizar essa energia empreendedora emergente pode criar um dínamo de crescimento econômico socialmente includente. Esse projeto tem que comportar três elementos. Primeiro,o aconselhamento gerencial ou a formação prática de quadros. Em geral, no mundo essa é a parte mais difícil de avançar, mas no Brasil é a que mais avança, por causa do notável trabalho do Sebrae. Segundo, a ampliação do crédito ao produtor. Não podemos enriquecer só à base da popularização das oportunidades de consumo, com a expansão do crédito ao consumidor. A história mostra o oposto. O fundamental é a democratização do acesso às oportunidades da produção. Isto precede a massificação do consumo. E o terceiro elemento é a transferência de tecnologias avançadas para pequenas empresas e empreendimentos emergentes.

Desafios - Em que setores da economia isto se aplica?
Mangabeira - É um projeto que fica mais claro na agricultura do que na indústria. Estamos acostumados a imaginar a agricultura como exceção, mas ela é vanguarda. Não basta regular o mercado e compensar as desigualdades do mercado com políticas de transferência. É necessário reorganizar o mercado institucionalmente, para torná-lo mais includente nas suas oportunidades. Eu dou dois exemplos na história dos Estados Unidos, no século XIX, que são a agricultura e as finanças. Organizaram uma agricultura de padrão familiar e de concorrência cooperativa entre os fazendeiros e construíram a agricultura mais eficiente do mundo naquela época. E no setor financeiro destruíram os bancos nacionais e os substituíram pelo sistema de crédito mais descentralizado que havia existido no mundo até aquele momento. Quando fizeram isso, não estavam regulando a economia de mercado, mas reinventando e reorganizando a economia de mercado. E é isso que nós no Brasil queremos fazer, não repetindo o conteúdo deles, mas apreendendo o método.



O longo prazo tem de ser tratado a curto prazo.Não há projeto de longo prazo sem implicações imediatas.Por essa razão, definimos quatro iniciativas como as primeirasprestações do nosso futuro: oportunidades econômicas,oportunidades educativas, Amazônia e Defesa.



Desafios - Como seria utilizar esse método no Brasil de hoje?
Mangabeira - O coração do nosso sistema industrial montado no Sudeste do país no curso do século XX é aquele que os especialistas costumam chamar de fordismo. É a produção em grande escala de bens e serviços padronizados, com maquinaria rígida, mão-de-obra semiqualificada e relações de trabalho muito hierárquicas e especializadas. Esse é um fordismo já tardio, que vem sendo desmontado nas economias liderantes do mundo, em favor de formas mais flexíveis de produção,e que se mantém competitivo em economias como a nossa. Se não quisermos virar uma grande fazenda combinada com uma grande indústria maquiladora, temos que acelerar a passagem para além desse fordismo tardio e, com os setores mais atrasados da economia e com as pequenas empresas, passar diretamente do pré-fordismo para o pós-fordismo, sem a etapa intermediária do fordismo.
Desafios - Qual é a sua segunda iniciativa nas oportunidades econômicas?
Mangabeira - A transformação das relações entre o capital e o trabalho no Brasil. Não temos uma grande reconstrução institucional das relações entre o capital e o trabalho no Brasil desde Getúlio Vargas. Há dois pontos de partida: primeiro, a ameaça de nossa economia ficar imprensada entre as economias de produtividade alta e as de trabalho barato. Um dos maiores interesses nacionais é escapar dessa prensa pelo alto, e não por baixo, e pela escalada da produtividade, e não pelo aviltamento salarial. O outro ponto de partida é que o modelo institucional existente resguarda os interesses dos trabalhadores dos setores intensivos em capital, mas não resolve o problema dos outros. Não bastam os dois discursos que prevalecem: o da flexibilização, que os trabalhadores interpretam corretamente como eufemismo para descrever a corrosão dos direitos do trabalhador; e o discurso do direito adquirido, de manter como está, que é melhor do que o outro, mas não resolve o problema dos excluídos dos setores avançados da economia. Iniciei uma discussão intensa com os dirigentes das centrais sindicais sobre três grandes temas: primeiro, a informalidade - como resgatar os 60% dos trabalhadores brasileiros que estão nela hoje; segundo, a participação dos salários na renda nacional - como reverter a longa queda da participação; terceiro, a revisão do próprio regime sindical. Me anima acreditar que nós possamos construir não um consenso, mas uma convergência preponderante.
Desafios - E a terceira grande iniciativa econômica?
Mangabeira -A ampliação dos instrumentos jurídicos ou institucionais disponíveis ao Estado brasileiro para atuar na economia. Por exemplo, para estimular a invenção e a fabricação de tecnologia apropriada ao manejo sustentável de uma floresta tropical, já que a tecnologia disponível no mundo evoluiu toda ela para tratar de florestas temperadas, o Estado só tem dois modelos disponíveis. Um é produzir diretamente dentro do setor público, mas há a camisa-de-força das regras que incidem sobre o setor. Outro modelo é o de tentar induzir o investimento privado por meio de crédito subsidiado e do favor fiscal, com o risco de o Estado dar muito em troca de pouco e de o empresário capitalizar o lucro e socializar o risco. Para evitar isso é preciso ampliar os instrumentos disponíveis ao Estado. Exemplo: o Estado funda e capitaliza um empreendimento num regime de tramercado, com gestão profissional e independente, decompõe em etapas, e em cada uma procura, tão logo que possível, substituir-se por um agente privado. Enfim,atua como atuaria um venture capitalist. Não para suprimir a concorrência ou substituir o mercado, mas para radicalizar a concorrência e aprofundar o mercado.

Desafios - E sobre as oportunidades educativas?
Mangabeira - Também são três as iniciativas principais. A primeira é, com o ministro da Educação, a construção de uma rede de escolas médias federais, como importante componente técnico e profissional, acima do nível de projeto-piloto, mas muito aquém do universo total das matrículas. O objetivo dessa rede, nos seus desdobramentos finais, seria ocupar em torno de 10% das matrículas do universo de estudantes de ensino médio. E o projeto tem três alvos. O primeiro é consertar o elo mais fraco do nosso sistema escolar, que é o ensino médio. O segundo é usar a escola média federal como cunha, com uma mudança do paradigma pedagógico em todo o ensino brasileiro. Substituir o ensino informativo e enciclopédico por um ensino analítico e capacitador, que mobilize a informação só seletiva e subsidiariamente como meio para aquisição de capacitações analíticas. Portanto, o foco no fundamental, que é a análise verbal e a análise numérica, sem cair em modismos pedagógicos. O terceiro alvo é construir um novo modelo de relações entre o ensino analítico geral e o ensino de especializações técnicas ocupacionais. Não queremos aquele modelo tradicional, como existia na Alemanha, de ensino de ofícios rígidos.Não é prático e não é democrático agravar uma divisão entre o ensino generalista para as elites e o ensino especialista para as massas.

Desafios - Do que trata a segunda iniciativa de oportunidade educacional?
Mangabeira - De como reconciliar a gestão local das escolas dos estados e municípios com padrões nacionais de investimento e de qualidade. São necessários três instrumentos: um sistema nacional de avaliação e monitoramento, e nisso já avançamos muito; um mecanismo para redistribuir recursos e quadros de lugares mais ricos para lugares mais pobres, e nisso começamos a avançar com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb); e no terceiro não avançamos nada ainda - é um procedimento para socorrer um sistema escolar local que,apesar de todos os esforços, tenha ficado abaixo do patamar mínimo tolerável de qualidade e de investimento.
Desafios - E a terceira iniciativa?
Mangabeira - É a inclusão digital, que eu estou trabalhando junto com o Ministério da Cultura e a Casa Civil. O projeto tem quatro componentes: construção de uma infovia nacional que aglomere os fragmentos de infovias que nós temos, com todos os seus elementos, do backbone, do backhole e da chamada "última milha", e trabalhe nisso junto com as empresas privadas; medidas destinadas a fortalecer as capacitações populares de acesso à rede, para que não seja prerrogativa de uma elite; estímulo à produção de conteúdos nacionais e populares; e uma estrutura de governança na internet que dê voz e vez à sociedade civil independente, fora do Estado, e não apenas aos governos ou às empresas. Portanto, é uma iniciativa também libertadora.

Desafios - O terceiro grande setor de ação do seu plano é a Amazônia...
Mangabeira - Que eu encaro como um grande laboratório nacional brasileiro, para ser vanguarda, não para ser retaguarda, um lugar onde o Brasil pode se reinventar. Rejeitamos duas idéias inaceitáveis e opostas: a de que a Amazônia é um santuário; ou a de que deve ser entregue às forças econômicas mais devastadoras, como a pecuária extensiva. Um ambientalismo sem projeto econômico é um ambientalismo inconseqüente, insufla uma atividade econômica desordenada que leva ao desmatamento. A Amazônia não é apenas um conjunto de árvores, é um grupo de pessoas. É preciso ter uma estratégia para a Amazônia já desmatada,onde se possa associar o Estado com os pequenos produtores, e outro projeto para a Amazônia com floresta em pé. A base de tudo é o zoneamento econômico e ecológico que contemple a solução dos problemas fundiários em toda a Amazônia e que assegure que a floresta em pé valha mais do que a floresta derrubada.Não basta, por exemplo, ter na Zona Franca de Manaus indústrias que oferecem empregos às pessoas. É preciso construir elos entre o complexo verde e o complexo industrial e urbano, indústrias que transformem os produtos da floresta e indústrias que produzam tecnologia apropriada ao manejo de uma floresta tropical.



Temos o compromisso de restabelecer a causa da Defesa noimaginário nacional como inseparável do desenvolvimento,permitindo a reorganização das Forças Armadas em tornode uma vanguarda tecnológica e operacional, baseadaem capacitações nacionais
Desafios - E quanto ao projeto da Defesa?
Mangabeira - Não há estratégia nacional de desenvolvimento sem estratégia nacional de Defesa. Nisso eu estou tramercado balhando muito de perto com o ministro Nelson Jobim e com as Forças Armadas. Os dois grandes temas que orientam nosso trabalho são: primeiro, a reorganização das Forças Armadas em torno de uma vanguarda tecnológica e operacional, baseada em capacitações nacionais; e, segundo, o compromisso de restabelecer a causa da Defesa no imaginário nacional como causa inseparável do desenvolvimento. Vou dar um exemplo: a reorganização da indústria de Defesa, em ambos os seus componentes, o privado e o estatal. No privado, uma das idéias é criar um regime jurídico regulatório e tributário especial que assegure continuidade nas compras públicas e resguarde as empresas privadas de Defesa de depender de um curtoprazismo mercantil. Em troca, o Estado brasileiro adquiriria um poder estratégico muito amplo sobre as empresas privadas de Defesa e dentro delas,além dos limites do poder regulador e a ser exercido por meios como o golden share. E, no componente estatal, uma inversão completa. Em vez de produzir o rudimentar e atuar no chão tecnológico, produzir no teto, na vanguarda, aquilo que não seja rentável a curto e a médio prazos para as empresas privadas, justamente por ser de vanguarda. Esta é a vocação do componente estatal.
Desafios - Qual é o alcance desse projeto?
Mangabeira - É necessário que o Brasil tenha um escudo. Neste mundo em que a intimidação ameaça tripudiar sobre a cultura, os meigos precisam andar armados. Nenhum país no mundo moderno, de dimensão comparável à nossa, é menos beligerante do que o Brasil. Mas esse pacifismo instintivo não nos exime da responsabilidade de construir um escudo de defesa. O foco do conflito ideológico no mundo todo está mudando. O velho conflito entre o estatismo e o privatismo, entre o Estado e o mercado, está sendo substituído por um novo conflito, cujas regras ainda não se compreendem, com formas alternativas da democracia, do mercado e da sociedade civil livre. Seria o caso de perguntar se nós temos base social prática para isso no Brasil, e eu diria que sim.
Desafios - Quais segmentos da população serão os pilares do seu projeto?
Mangabeira - Tudo depende do encaminhamento coletivo de soluções coletivas para problemas coletivos. Portanto, de política. Precisamos desesperadamente do casamento da política com a imaginação, sobretudo com a imaginação institucional. Agora, surge no Brasil, ao lado dessa classe média tradicional, uma nova classe média, morena, mestiça, que vem de baixo, que luta para abrir pequenos negócios, que estuda à noite, que inaugura no país uma nova cultura de auto-ajuda e iniciativa. Desconhecida das elites brasileiras, essa nova classe média já está no comando do imaginário popular. Para a maioria do nosso povo, ela é essa vanguarda de batalhadores e emergentes que a maioria quer seguir. Hoje, a grande revolução brasileira seria o Estado inovar nas instituições, primeiro nas econômicas e depois nas políticas, para permitir à maioria seguir o caminho dessa nova vanguarda. O que falta é a organização intelectual e política do caminho e da base, e este é o meu trabalho.
Desafios - Uma reforma política seria uma quinta área do seu projeto?
Mangabeira - Exatamente. Tenho conversado com o presidente Lula sobre a entrada da pasta de Assuntos Estratégicos no campo da reforma política. Há quem imagine a reforma política como antecedente à reorientação econômica e social. Não é assim na história moderna. A experiência comparada mostra que os países mudam as suas instituições políticas quando precisam mudá-las para alcançar um fim econômico e social que desejam. A reforma não poderá ser uma preliminar da reorientação econômica e social.Virá no curso da luta para mudar o rumo social e econômico do país. Essa mudança política necessária tem um horizonte longínquo e um ponto de partida. O horizonte é criar uma democracia de alta energia,mudancista,que não faça a mudança depender da crise. Mas isso é o futuro, é o horizonte, isso não é para já. O ponto de partida é tirar a política da sombra corruptora do dinheiro, criar as condições para governos que não seja no bolso dos endinheirados. Não é um mistério como fazer isso. Passa por quatro conjuntos de medidas: o financiamento público das campanhas eleitorais; a construção de carreiras de Estado que substituam a grande maioria dos cargos comissionados ou discricionados; a revisão do processo orçamentário, para que ele não seja uma negociação perene e flutuante; e medidas que favoreçam a vida partidária e a fidelidade partidária.
Desafios - O que falta para fazer isso?
Mangabeira - O bom do Brasil é a sua vitalidade, e o ruim é o seu conformismo, a falta de fé em si mesmo. De todas as minhas ambições, a maior é ajudar a instaurar no país uma dinâmica de rebeldia. O grande poeta alemão Friedrich Hölderlin disse que quem pensa com mais profundidade são os que têm mais vida. Mas não basta ter vida, é preciso ter inconformidade e iluminar a inconformidade com a imaginação. Justamente porque está cheio de vida, o Brasil é anarquia criadora. Uma das ambições nacionais tem que ser transformar espontaneísmo inculto em flexibilidade preparada. E descobrir as instituições econômicas e políticas apropriadas a uma sociedade inquieta, inovadora.A fórmula que nós procuramos é a fórmula que ajude a quebrar as fórmulas. Este é outro tema central de todas essas propostas econômicas e políticas.
Desafios - O senhor pretende conversar com estados e municípios?
Mangabeira - Vou visitar todo o país. Um projeto de Estado precisa ser construído junto com os estados federados, e ainda mais com os governados pela oposição, para demonstrar ao país a possibilidade de uma agenda positiva feita acima das divisões partidárias. Já fui a Minas Gerais e Rio Grande do Sul e fui recebido calorosamente.Acho que há muita abertura no Brasil para isso. Estamos à busca de um projeto magnânimo e ninguém quer saber de sectarismos mesquinhos. A nação tem consciência da gravidade de todos os nossos problemas e da necessidade de um grande projeto de país, e todo mundo intuitivamente compreende que um projeto de país não pode ser construído em um ambiente de mesquinharia e de sectarismo.
Desafios - Diria o mesmo de suas conversas com os sindicalistas?
Mangabeira - Tratamos de assuntos muito penosos e controvertidos e avançamos muito.Vejo que há linhas de convergência preponderante sobre o grandes temas. Para reverter a queda da participação dos salários na renda nacional não basta influenciar o salário nominal, como a política do salário mínimo. Isso tem certa eficácia, mas insuficiente. Temos no Brasil uma grande desigualdade salarial. Por isso, é provável que as iniciativas destinadas a aumentar a participação dos salários na renda nacional tenham de ser, no início, diferentes para diferentes níveis da hierarquia salarial. Na base da hierarquia salarial, dos trabalhadores mais pobres e menos qualificados, o objetivo é pelo menos não castigar quem empregue e qualifique, diminuindo os encargos que oneram a folha salarial. Importante também é a proteção de trabalhadores temporários ou terceirizados, que no Brasil, como em todo o mundo, formam uma parte crescente da força de trabalho. Como protegêlos e representá-los sem minar a posição dos trabalhadores organizados, que formam o cerne do corpo de trabalho da empresa?
Desafios - Vem algum exemplo de fora?
Mangabeira - O mundo está vergado sob uma ditadura de falta de alternativas. Qualquer alternativa que surgisse e que combinasse uma demonstração prática com uma mensagem universalizante poderia ter uma repercussão sensacional. Nós temos condições especiais para sermos um terreno de experimentação. Um dos nossos maiores problemas é que não pensamos em nós mesmos, assim. Nosso costume é só prosseguir em um caminho que tenha sido antes autorizado pelos países que nos acostumamos a tomar como referência. E isso não presta.
Desafios - Agora, Índia e China são tomadas como referência?
Mangabeira - Sempre o outro. Então, precisamos olhar para o mundo todo. Mas não há nenhum país nem rico nem em desenvolvimento que possamos tomar como modelo. Os exemplos são fragmentários. Nenhum país do mundo atual representa a onda do futuro em que possamos surfar. A nossa principal preocupação deve ser consolidar a nossa estratégia, informada pelas experiências do mundo todo, mas não autorizada por ninguém. Na história, os obedientes são castigados. Os prêmios vão para os rebeldes. A rebeldia é condição necessária, mas não é suficiente. Porque ela só é eficaz quando iluminada pela imaginação.Desafios - As viagens à Índia, Rússia e França trataram de uma aliança que inclua transferência de tecnologia?Mangabeira - Eu não chamaria aliança, que tem um sentido técnico. Nós não temos alianças. É uma parceria estratégica com a transferência de tecnologia. Fui primeiro à Índia e depois, com o ministro Nelson Jobim, da Defesa, à França e à Rússia. Com todos esses países, o importante é expressar a vontade política de fortalecer no mundo um pluralismo de poder e de justiça, e a partir desse compromisso básico construir colaborações em Defesa e colaborações em matéria de desenvolvimento. As segundas são pelo menos tão importantes quanto as primeiras. É assim que estamos procedendo. Muita gente caracterizou essas viagens como viagens de compras, mas não foram. Não compramos nem nos credenciamos a comprar coisa alguma. Estamos tentando descobrir quais as colaborações de Defesa e civis que fortaleçam a nossa capacidade de abrir novos caminhos, em Defesa e tudo o mais. E agora eu direi, com franqueza, o problema não é o mundo, o problema é o Brasil. Para quem tem idéia clara e vontade forte, o mundo está cheio de oportunidades.
Desafios - Isto fortalece uma visão Sul-Sul?
Mangabeira - Não é só. Sul-Sul é uma parte, mas não o todo. Nós não devemos fazer - estou dando a minha opinião pessoal -, e não creio que estejamos fazendo, uma política apenas terceiromundista.Nós precisamos nos entender não só com esses outros grandes países emergentes, mas também com a União Européia e com os Estados Unidos. Mas a condição básica para tudo isso é que nós nos levantemos, que nós tenhamos uma idéia a respeito do nosso futuro nacional, que nós saibamos o que queremos. Com isso, tudo será possível. Sem isso, nada será possível.

O Elo das Desigualdade

17/06/2008 - 12:50)
O elo das desigualdade
Por Lúcia Pinheiro, de Brasília

As políticas públicas têm avançado nos últimos anos para reverter a estrutura excludente e discriminatória ainda efetiva e operante na sociedade, especialmente com relação à desigualdade de gênero e de raça/etnia. Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indicam a necessidade de políticas universais fortes para todos e um conjunto de políticas complementares e temporárias de ações afirmativas.
O estudo Desigualdades raciais, racismo e políticas públicas: 120 anos após a abolição, do Ipea, apresentado no dia 13 de maio deste ano, avalia que a falta de oportunidades educacionais, de políticas de proteção social e de qualquer política de inclusão no mercado de trabalho formal da população mais pobre foi tão eficaz para impedir a ascensão social da maioria da população negra quanto a permanência do racismo.
Para se combaterem as desigualdades raciais e sociais no país são necessárias políticas universais fortes e um conjunto de ações afirmativas complementares e temporárias. Dada a existência de racismo pessoal e institucional, as ações afirmativas se transformam no único meio de reduzir grandemente as desigualdades, conclui o estudo.
Na avaliação do diretor de Cooperação e Desenvolvimento do Ipea, Mário Lisboa Theodoro, não existe país nenhum no mundo que tenha acabado com essas mazelas sem um forte investimento em políticas universais e de qualidade. "Educação, saúde, política habitacional, enfim, direitos básicos que todo mundo deveria ter acesso para uma vida minimamente digna", diz.
INCONSCIÊNCIA Além disso, diz Theodoro, existem outros problemas que não são só essas mazelas sociais, e devem ser tratados como políticas específicas, como a questão racial no Brasil. "Vemos casos de professores, advogados ou de médicos negros que reclamam de situações de racismo e isso não está ligado propriamente ao quesito social, e sim a uma ideologia racista que está presente no inconsciente das pessoas. Na medida em que a desigualdade social vá se dirimindo, a partir de políticas universais, ainda podemos nos deparar com uma questão racial cada vez mais explicitada. Existe até hoje uma idéia de hierarquia em função do estereótipo, do fenótipo da pessoa."
Ele diz que muitas vezes a pessoa é preterida para um cargo pelo empregador por ser negra. "Era aquilo que até as décadas de 1960 e 1970 era explicitado pela expressão ?se exige boa aparência?". Theodoro conta que o Ministério Público tem feito uma grande campanha junto a alguns setores do empresariado para acabar com isso. "Por exemplo, na orla de Salvador, e na Bahia como um todo, está fazendo um trabalho com os empregadores de bares, restaurantes e hotéis, porque percebeu que esses negócios empregam majoritariamente funcionários brancos. Isto em um estado onde a população negra é majoritária - mais de 90%."
O Ministério Público fez um termo de ajustamento de conduta, em que explica a importância de não se fazer nenhum tipo de discriminação por conta da raça. E adotou o mesmo pacto com a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), "para que todos percebam que têm condições de empregar mais negros", diz. O Ministério Público também está fazendo este tipo de trabalho junto a outras áreas, como, por exemplo, em shoppings centers.
BANCOS Para consolidar, gradualmente, uma política inclusiva no setor, a Febraban lançou um censo com 400 mil bancários do país para identificar as relações entre ascensão profissional e as diversidades específicas. O projeto é voltado para o combate ao preconceito e à discriminação com base na cor, raça, etnia, origem, sexo, deficiências físicas, idade, credo religioso e orientação sexual. O segmento financeiro emprega cerca de 2% de toda a força de trabalho do país.
Um relatório global da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgado no ano passado, apontou desigualdades profundas, sérias e difíceis nas relações institucionais, onde se verifica que mulheres e negros estão em desvantagem em qualquer indicador de mercado de trabalho.
Sobre o tema, Luciana Jaccoud, pesquisadora do Ipea, diz que o racismo institucional tem uma forma mais sutil na sociedade, "que é a reprodução de valores sociais que ocorre talvez até de uma forma inconsciente. Nem sempre as pessoas são racistas no sentido de estereótipos, ofensas, mas exercem um papel de seleção que opera em determinados espaços sociais carregados de valores que privilegiam a beleza, como, por exemplo, nos shoppings centers".
PROGRESSOS A partir de 2001, segundo os estudos do Ipea, o Brasil começou a apresentar redução na desigualdade racial. De um modo geral, isto está relacionado a atitudes intelectuais e políticas voltadas positivamente à questão do negro no país, analisa Sergei Suarez Dillon Soares, pesquisador do Ipea. "A desigualdade tem mais ou menos a mesma idade do país."
A razão de renda entre negros e brancos, destaca o pesquisador, começou a diminuir pela primeira vez nos últimos cinco anos, ainda que lentamente, depois de passar 30 anos basicamente sem nenhuma tendência. "Isso mostra o resultado das políticas públicas, como a expansão da aposentadoria rural, o aumento do salário mínimo e o Programa Bolsa Família - todas políticas que atingem principalmente parcelas da população predominantemente negras."
Isso teve início com uma ou duas décadas de atraso, diz ele, "quando essas políticas começaram a ser pensadas e implementadas. Ao mesmo tempo, começamos a ter uma política especificamente para os negros, como as cotas, por exemplo".
De acordo com o estudo de Soares, "não há dúvida de que os programas de transferência de renda reduzem a diferença no rendimento entre brancos e negros, beneficiando imensamente a população negra". Embora exista uma clara tendência de queda, o levantamento mostra que a redução será muito lenta. A se manter o ritmo de queda inalterado, se passariam 32 anos até que brancos e negros tivessem, em média, a mesma renda.
Para justificar as políticas temporárias, como o regime de cotas, ele diz que "dada a lentidão das políticas universais e o fato de a população negra estar mais concentrada nos piores nichos socioeconômicos, não geográfica, mas socialmente falando, é necessário termos algo mais urgente. Precisamos também de políticas de inserção alternativas".
ESTUDANTES O antropólogo Waldemir Rosa, consultor do Ipea, ressalta que, dentro do sistema educacional, a escola, a universidade ou qualquer outra instituição, ao silenciar ou até "mascarar" uma situação de discriminação racial e social vivenciada por muitos de seus alunos, acaba reforçando, e até reproduzindo, as desigualdades.
"Por um lado", diz Waldemir, "existe um sistema educacional que de certa forma ?expulsa? o estudante negro ou dificulta bastante a presença dele e, por outro lado, existe o mercado de trabalho que não incorpora esse estudante."
"Na verdade, o sistema funciona tanto para excluir o negro do processo de qualificação no sistema educacional como do processo de inserção e permanência no mercado de trabalho. Em outras esferas, a realidade é a mesma, como a dificuldade de acesso da população negra ao sistema de saúde, por exemplo. Quando o país se nega a reconhecer que existe desigualdade racial e que o preconceito é um fator determinante nas possibilidades sociais, está deixando de enfrentar o problema de frente."
HIATO MAIOR Em 1976, cerca de 5% da população branca tinha um diploma de educação superior aos 30 anos, ante uma porcentagem essencialmente residual para os negros. Já em 2006, algo em torno de 5% dos negros tinham curso superior aos 30 anos.
O problema é que a desigualdade racial se manteve: quase 18% dos brancos, nesse mesmo ano, tinham completado um curso superior até os 30 anos.O hiato racial, que era de 4,3 pontos percentuais em 1976, quase que triplicou, para 13 pontos percentuais, em 2006, revela o estudo do Ipea, elaborado com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Estatística e Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE).
A despeito da discreta melhora, ainda é extremamente alta a desigualdade de gênero e de raça e etnia no mercado de trabalho brasileiro. As mulheres e os negros representam 70% dos brasileiros, de acordo com os estudos do Ipea. E as mulheres negras são as que mais sofrem com a discriminação. Embora a situação deste grupo - o mais marginalizado no país - tenha melhorado significativamente, as mulheres negras apresentam a menor taxa de participação no mercado de trabalho, menor taxa de ocupação, maior taxa de desemprego e menor rendimento.
POBREZA Rafael Guerreiro Osório, pesquisador do Centro Internacional de Pobreza (International Poverty Centre), diz acreditar que mesmo com os 120 anos da abolição da escravatura o Brasil continua com muita desigualdade de raças. Ele explica que, embora a discriminação racial não seja o principal determinante, ela existe e atrasa a integração. Mas ressalta que o principal problema brasileiro é de origem social."
No Brasil, a mobilidade social é de curta distância, ou seja, as pessoas sobem e descem na estrutura social, mas elas não vão muito longe do lugar onde estavam na origem. Isto quer dizer o seguinte: se pensarmos no caso de um negro que, no momento da abolição, o tataravô dele estava lá por baixo, o avô dele subiu um pouquinho, o pai dele desceu um pouquinho em relação ao avô, e ele subiu um pouco em relação ao pai, então, ele não está muito longe ainda da posição da estrutura social equivalente à contemporaneidade à posição que o tataravô dele ocupava."
"Então, aí nós temos um problema de mobilidade social generalizado", diz o pesquisador, acrescentando que o problema da discriminação atrasa muito o processo de redução da pobreza porque "se você não é uma pessoa racista, não acredita na superioridade racial dos brancos sobre os negros, você tem que endossar a idéia de que a distribuição das competências é igual nos dois grupos, ou seja, tanto entre os negros existem pessoas muito competentes e pessoas nem tão competentes como entre os brancos", diz Osório.
DESEMPREGO Em 1976, os brancos representavam 57,2% da população; os negros e pardos, 40,1%; e os amarelos e índios, menos de 3%. Trinta anos depois, o número de brancos caiu para 49,7%, o de negros passou para 49,5% e o de amarelos e índios caiu para menos de 1%. As projeções demográficas indicam que, até o fim de 2008, os negros e pardos serão maioria entre a população.
A taxa de desempregados é maior entre o grupo negro, que corresponde a 9,3% (4,5 milhões de trabalhadores). No grupo branco, essa taxa se reduz para 7,5% (3,7 milhões). Há quase um milhão a mais de negros sem emprego em todo o país. Em média, os negros na ativa recebem R$ 578,24 ao mês - valor que corresponde a apenas 53,2% do recebido pelos brancos, que é de R$ 1.087,14.
Não por acaso, os negros que estão empregados correspondem a 60,4% dos que ganham até um salário mínimo e a somente 21,7% dos que ganham mais de dez salários mínimos. Entre brancos que estão empregados, esses percentuais equivalem a 39,0% e 76,2%, respectivamente. O estudo foi feito pelo Ipea com base em dados primários do IBGE, levando em consideração variáveis agregadas para todo o país sobre população, escolaridade e renda, além das faixas etárias.
MULHERES A estrutura excludente também afeta a população feminina, que é a maioria no país, diz Luana Soares Pinheiro, pesquisadora da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM). Segundo ela, quando se fala na questão da desigualdade de gênero, "em alguns campos conseguimos verificar a discriminação mais forte do que em outros, como, por exemplo, nas relações de mercado de trabalho, na participação das mulheres nos espaços de poder de decisão, como o Parlamento, e também em postos de poder dentro das empresas, e nas esferas dos governos federal, estaduais e municipais".
Ainda que as mulheres tenham tido um crescimento no aspecto educacional, isto não se reflete no mercado de trabalho, onde continuam a enfrentar diversos entraves, analisa Luana. Ela diz ainda que a primeira dificuldade está na possibilidade de a mulher ser economicamente ativa ou não.
"As taxas de atividades das mulheres quando comparadas às dos homens ainda são muito inferiores. Em dados da Pnad de 2006, quase 73% dos homens estavam economicamente ativos (empregados ou procurando emprego), enquanto as mulheres eram 51,6%. Isto reflete em uma menor disposição da mulher entrar no mercado de trabalho e está relacionado a uma série de fatores, como, por exemplo, a necessidade de cuidar dos filhos, porque especialmente as de classes mais baixas não contam com creches."
Segundo a pesquisadora, "se esta mulher consegue, então, se colocar à disposição do mercado de trabalho, ela vai enfrentar outra dificuldade, que é conseguir um emprego, e aí a taxa de desemprego mostra uma diferença também". Dados da Pnad de 2006 apontam que 6,4% dos homens economicamente ativos estavam desempregados, e entre as mulheres a participação era de 11%.
INTERSEÇÃO "Por aí dá para ver uma interseção de discriminações. Por exemplo, uma mulher tem dificuldade de entrar em alguns postos de trabalho 'de perfil mais masculino', então geralmente ela vai procurar emprego em lugares com o perfil mais feminino. Agora, se essa mulher é negra, ela vai ter muito mais dificuldade. Ao se observar em hotéis, por exemplo, essas pessoas não estão em contato direto com o público. Neste sentido, elas sofrem uma dupla discriminação. Para se ter uma idéia, a taxa de desemprego para as mulheres negras é de 12,5%, enquanto para as mulheres brancas é de 9,7%", ressalta Luana.
Os dados também mostram que aproximadamente 16% das mulheres que estão ocupadas no mercado de trabalho são empregadas domésticas, ou seja, são mais de 6 milhões de mulheres trabalhando numa profissão precária, com pouca segurança, além de ser extremamente alta a taxa de mulheres que trabalham sem carteira assinada, na informalidade. Essa profissão explora muito e concentra quase um quinto das mulheres que estão ocupadas, enquanto a taxa para os homens é de menos de 1%. Em geral os homens que trabalham num emprego doméstico são jardineiros ou caseiros. "É outro tipo de trato de atividade", explica a pesquisadora.
Lourdes Bandeira, subsecretária de planejamento da SPM e professora da Universidade de Brasília (UnB), diz que uma das preocupações gerais da política governamental desenvolvida para as mulheres é conjugar todos esses estigmas - racial e de gênero, principalmente - como forma de inclusão das mulheres. A SPM está trabalhando em parceira com o Ministério da Educação (MEC) para proporcionar uma política educacional que não seja discriminatória à condição de gênero e todos os outros elementos que são agregados a essa condição.
Segundo Lourdes Bandeira, a política oficial é a de que todas essas dimensões de gênero - não-sexista, não-racista, não-homofóbica e não-lesbofóbica - sejam tratadas no sentido de eliminar todas as formas de nãoinclusão, seja no mundo do trabalho, da saúde ou da participação política. Essa preocupação com a igualdade de gênero, de raça e de etnia se dá para o fortalecimento dos direitos humanos das mulheres, na condição de cidadania, explica.
PLANO NACIONAL "Nas escolas, é fundamental o acesso às políticas afirmativas não só para as crianças e os jovens, mas em especial os profissionais que já atuam na área para que tenham essa consciência, porque nem sempre os professores têm essa clareza em relação a não discriminar", diz Lourdes, acrescentando que uma das prioridades do Segundo Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, no período de 2008 a 2011, é formar 120 mil profissionais de educação básica nas temáticas de gênero, de relações étnico-raciais e orientação sexual, e processos executados e apoiados pelo governo federal como uma meta para todo o Brasil.
A meta é não só formar profissionais na área de educação básica, que é a área fundamental. Segundo ela, nessa fase já há uma possibilidade de mobilidade educacional, ou seja, de ter acesso ao ensino mais profissional, mais qualificado, acesso ao ensino de 2º grau, mas alfabetizar 3 milhões de mulheres em conjunto com o MEC, a fim de reduzir a taxa de analfabetismo feminino, que é hoje de 9,5%, para 8%. Isso envolve três segmentos sociais em que se concentram as condições de gênero, cujas mulheres são as mais excluídas, que são as mulheres do meio rural, as das periferias urbanas, geralmente mulheres afro-descendentes, e as mulheres indígenas, que também estão incluídas nesse processo de erradicação do analfabetismo.
O combate ao analfabetismo nesse grupo de mulheres tende necessariamente a se conjugar com outras ações, em busca de uma autonomia econômica, porque outro elemento agravante é que, da totalidade das famílias brasileiras, 25% são monoparentais, e 90% dessas famílias no Brasil são chefiadas por uma mulher. Então, significa que essas mulheres são as responsáveis pela renda familiar e que nem sempre os filhos contam com o benefício da ajuda paterna, porque muitos homens vão deixando essas mulheres com os filhos e formando outras famílias. Com isso, passa a ser responsabilidade da mulher o sustento, além da manutenção afetiva, emocional e educacional dos filhos.
Segundo Lourdes Bandeira, grande parte do Programa Bolsa Família tem sido dirigido a essas famílias monoparentais, e as pesquisas já evidenciam uma gestão doméstica nova, onde os filhos permanecem mais tempo na escola, a família passa a ter um padrão de consumo alimentar de melhor qualidade e maior freqüência de produtos como feijão e carne, "sem contar que a mulher acaba desenvolvendo todo um aprendizado de planejamento de gestão doméstica que ela não tinha, porque não dispunha de um rendimento mais ou menos estável, só tinha rendas eventuais", diz ela.