terça-feira, 29 de setembro de 2009

Pactum Scelleris (Pacto Criminoso)


Por: Hanka Nogueira*



“Dai a César o que é de César,
e a Deus o que é de Deus”

Marcos: cap. 12, ver. 17



Recentemente em uma nova investida colonizadora, a Igreja Católica por meio do decreto que tramita no Senado Federal (Projeto de Decreto Legislativo 1736/2009), já aprovado na câmara dos deputados, que estabelece um acordo entre a “Santa” Sé e o Estado brasileiro prevê, entre outras coisas: ensino religioso obrigatório nas escolas dando ênfase a religião católica; estabelece juridicamente a concessão de imunidade tributaria total para a igreja católica; passa aos cofres públicos a responsabilidade pela manutenção, reforma e preservação do patrimônio da igreja; institui a prestação obrigatória de assistência religiosa em presídios, hospitais e inclusive tribos indígenas; prevê a concessão de isenção fiscal para rendas e patrimônio de pessoas jurídicas eclesiásticas; isenção para a Igreja católica de cumprir as obrigações impostas pelas leis trabalhistas brasileiras, ou seja, a igreja pretende se lastrear nos recursos e na permissividade do Estado brasileiro para, alem de outros interesses, contra-atacar o crescimento do segmento evangélico no país. Se isso ocorrer, a condição do Brasil como Estado laico - É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias, cap. I art. 5º da Constituição Federal (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos) - Terá um dos princípios básicos da cidadania e da liberdade usurpado em nome de um projeto fascista e retrogrado, cometendo-se um enorme equivoco em nome de um Deus privativo e monopolista. A História nos mostra o desastre que é se misturar Estado e religião, assim como, a condução sócio-politica de uma nação alicerçada em um conceito religioso imposto.


Conivência e conveniência – Pensar o acordo entre o poderoso Estado romano e o Brasil como algo desassociado do momento impar em que vive a sociedade brasileira no contexto interno, é no mínimo reducionismo de analise, e sendo assim, tal atitude é extremamente providencial para a igreja. Hoje, o povo brasileiro se vê frente a sua formação sociocultural admitindo a necessidade de se buscar parâmetros que desmistifiquem deformações ideológicas e filosóficas impregnadas dos valores coloniais de outrora, portanto, caminhando para o reconhecimento do debito social, racial e político que possuímos. Por meio de reflexões que abordam o papel da mulher na sociedade contemporânea e o poder sobre a maternidade que envolve principalmente o direito de escolha em abortar ou não a gravidez; da nova formação dos núcleos familiares a partir das uniões homo-afetivas; os questionamentos do debito secular que o Estado, assim com a igreja, possui com índios e negros brasileiros; os movimentos de valorização e respeito as religiões de matriz africana e outros segmentos; o papel da igreja na atualidade e a participação essencial que teve na construção do golpe militar de 1964. Como a História demonstra, a folha corrida é extensa e os desígnios de “Deus” não podem ser confundidos com a condução política e democrática do Estado.


Católicos graças a Deus? - O Estado moderno se funda em alicerces jurídicos que visam a liberdade de escolha e o exercício da democracia como fundamento primordial para a manutenção da ordem. Direitos, que nos são garantidos pela constituição de 1988 - Constituição Cidadã -, mas, como efetivá-los diante da verdadeira deformidade cultural brasileira no que tange a relação entre a lei e a pratica? Como materializar os direitos com base no cumprimento das obrigações em uma sociedade que prima pelo privilégio e pelo “jeitinho” como parâmetro de vitória? Definitivamente, não somos o que dizemos ser. Ordeiros, democráticos, igualitários, justos e espiritualizados. Somos sim, católicos por imposição histórica e cultural, e como católicos trazemos no intimo o ranço dos fundamentos judaico-cristão. Esperamos pelo messias, pelo salvador, e delegamos a essa quimera o porvir da nossa vitória, o nosso futuro agraciado não em leite e mel, mas em privilégios e graças particulares. Tudo isso com a benção do criador que tudo perdoa.


O Estado Democrático de Direito no Brasil, parte da consecução das suas ações na suposta insuficiência da população frente a questões importantes. As ações são pensadas e baseadas na inércia e na falta de informação da maioria, fruto de arranjos e engôdos empurrados a sociedade como se fossem verdades absolutas. Baseando-se nessas deformidades para tornar velhas mentiras em verdades inquestionáveis, criando um ambiente onde se ouve quotidianamente a afirmação que a religião, assim como a política, não deve ser discutida e não merece ser colocada a luz da reflexão. A aplicação da lei e a criação das normas para a convivência em sociedade é dever do Estado, mas, não podemos pensar o Estado como normatizador das relações apartado da atualidade social e do contexto histórico em que esta inserida a população. Não podemos pensar o Estado como algo intangível, onisciente, acima do bem e do mal. Somos o Estado, e como tal, nos cabe a condução justa das medidas sociais de convivência respeitando-se a diversidade plurietnica, multicultural e plurireligiosa da nossa sociedade. Dentro dessa premissa, pensa-se as religiões como instrumento de sustentabilidade moral e espiritual dentro de um verdadeiro espírito democrático e libertário.


Fé, verdade, religião - Religiosidade, esse sentimento é a força-mestra da convivência social. A religião, que é a espiritualização da religiosidade, reúne pessoas com a mesma afinidade espiritual, estabelecendo rituais, regras, hierarquias, locais próprios e modus operandi para sua funcionalidade. O Estado brasileiro precisa garantir o direito da livre expressão religiosa, tendo como fato o vasto numero de manifestações, praticas de cultos, seitas e outras formas de crença e fé que possuem o povo brasileiro. Manifestações que possuem o direito de serem compreendidas e respeitadas em sua complexidade, sem preconceitos, julgamentos e perseguições impetradas seja por quem for. Mas, o acordo vai na contramão da História e se apresenta totalmente “desligado” das reais necessidades da população em seu processo contemporâneo de transformação social e cidadã. Evidenciando a tentativa de alienação e aculturação por parte de organismos e grupos que secularmente agem nas sombras da desinformação, usurpando direitos e perpetuando os seus privilégios.



* Educador, Diretor de Projetos e Pesquisa da Superintendência de Promoção da Igualdade Racial do Município de Lauro de Freitas - Bahia

quinta-feira, 27 de agosto de 2009


Civilização, Civismo, e Brasil


Quem não tem presente vive de futuro
Raul Seixas


Tão tumultuado como a História do Brasil, é o exercício da convivência social entre a população brasileira, fruto de uma formação identitária inconclusa, apesar das contribuições das diversas matrizes civilizatórias que aqui se estabeleceram. A negação das matrizes indígena e negra em favorecimento de um modelo ideológico único e homogêneo, baseado na imposição socio-racial, cujo alicerce se desenvolveu e se perpetua no racismo, no patriarcalismo assistencialista e na divisão de classes, permitiu e permite, a formulação de um adestramento social onde parte da população – identificada com ascendência européia -, é “educada” com base nos privilégios históricos que terminou por criar uma sociedade desigual em praticas e direitos. Cercada de ideologias e mitos, onde se perpetua o favorecimento daqueles que se auto proclamam os únicos capazes a conduzir o país, relegando a maioria a obediência passiva e a “naturalização” desse pseudo fato. Cria-se um ambiente propício a construção de um limbo social, alicerçado na cidadania subjetiva em direitos e estimulada em preconceitos.

O Eterno País do Futuro – O sonho de uma nação desenvolvida, livre das mazelas sociais, economicamente equânime e socialmente democrática, fica relegada ao devir, a um futuro promissor. Gerando conformismo ao mesmo tempo em que consegue ser “palpável” em idéias e desejos. Desta forma, materializa-se na “democracia” presente a inércia social baseada na alienação e na aceitação. Perversa, autoritária e extremamente manipuladora, a república brasileira transmuta-se em continuismo a cada tentativa de real mudança na estrutura cultural e social. O distanciamento do agora em nome de um projeto ilusório de transformação futura alicerça-se negando praticas de revisão dos conceitos e abolição dos preconceitos, mantendo um ideário de democracia subserviente a uma elite excludente, o que viabiliza a não concretude dos avanços legislatórios da Constituição de 1988 – Essa, transformada em letra morta – a Constituição Cidadã. A suposta cordialidade do povo, o discurso da democracia racial, o desapego as leis, a invisibilização conjuntamente com a inviabilização do outro, atestam a impossibilidade de uma convivência cidadã entre a população, portanto, o não socializar-se é visto como forma de defesa dos interesses. Não existe coletividade e perde-se tudo. O espaço das ruas, a consciência publica, as normas de convivência, a interação entre as pessoas, o respeito as diferenças. Se faz necessária uma revisão conceitual da nossa formação enquanto povo. A nação so poderá nascer a partir dessa revisão. Conceitos básicos como o engodo do “descobrimento”; A formulação ideológica doentia da sociedade trazida do além mar; O modelo de desenvolvimento primitivo de capital por meio da escravidão e suas consequências posteriores como a subcidadania dos negros juntamente com o genocídio dos índios implementado pelo Estado; A burocratização da maquina pública como forma de privilegiar um grupo e emperrando o desenvolvimento como um todo; A concentração histórica de renda; E a tomada da condução político-administrativa a partir de uma elite, são fraturas expostas da nossa necrose social.

Cultura como Formação de Identidade - Cercada por interesses patrimonialistas e espúrios, a população brasileira assiste a condução do processo político “democrático” pela TV. Entorpecida pelo processo de negação a informação de qualidade, associado aos joguetes de cena de grupos que tentam de todas as formas subtrair as conquistas sociais, como atesta a tentativa de “enxugar” a constituição brasileira – Proposta de Emenda Constitucional 341/09, do deputado Régis Oliveira (PSC – SP), cujo intuito é diminuir de 250 para 76 os artigos da Constituição – torna-se evidente que, o modelo civilizatório que nos é imposto atenta contra todas as garantias sociais dos segmentos plurietnicos do país, delegando a gerações futuras um modelo falido de sociedade cujo direcionamento é o lucro a qualquer custo, a destruição do meio-ambiente, o desrespeito a memória coletiva, a inversão de valores e o não reconhecimento da legitimidade popular. Se faz necessário um redimensionamento da riqueza e dos valores da nação no campo simbólico. A riqueza enquanto produto material, resultado da produção do trabalho, principalmente o atrelamento deste a tecnologia de ponta, cujo interesse é tão somente o luxo, precisa dar lugar ao valor imaterial da nossa cultura que esta impregnado nas coisas e nos bens subjetivos da sociedade multiracial e plurietnica que possuímos. As características intrínsecas ao nosso Ser enquanto povo, fruto do processo civilizatório plurietnico que aqui se desenvolveu, resultou na formação de riquezas simbólicas que estão impregnadas em nossa cultura e não em valores puramente físicos. Dentro da modernidade, hoje, a verdadeira riqueza encontra-se centrada não mais no material ,mas, no simbólico, na subjetividade.


Lei contra a Justiça  - Com uma grande parte da sociedade vivendo na marginalidade – a margem – os valores enquanto forma de regulação social se perdem na deformação do cotidiano, estimulando a prática discriminatória ao mesmo tempo em que se é alvo da discriminação. Se discrimina numa tentativa vã de minorar a sua própria vitimação, impossibilitando a sociedade de agrupar-se em torno de interesses comuns que possibilitem uma mudança social concreta. A necessidade de se redimensionar o significado do conceito de justiça, em todas as instancias possíveis e imagináveis, devera ter como conceito basilar uma justiça de valores, intenções, símbolos e significados. So desta forma entenderemos a reivindicação ancestral de negros e índios. E ai sim, estaremos em paz com a nossa consciência e prontos para prosseguirmos na construção de uma nação sem estigmas e legados ruins.

Hanka Nogueira

Luz e Força

quarta-feira, 8 de julho de 2009

A Índia nossa de cada dia



A dramaturgia brasileira exerce um poder imensurável no inconsciente coletivo da população. Atores são perseguidos, amados ou odiados tão rapidamente quanto o desenrolar da odisséia das personagens, assim como, a trama televisiva passa a ser vista e vivenciada como “realidade” pela maioria da população. Instantânea, imediatista, facilmente diluída e copiada, a novela exerce um papel dominante na “programação” da cultura de massa do brasileiro, fruto da formação educacional onde se acredita que o ato de pensar é uma tarefa difícil e dolorosa. A televisão exerce o seu papel de entreter - ainda que a transfigurem em ferramenta de “informação” - esse eletrodoméstico adquire vida própria a ponto de não se “conseguir” desligar o ente tão presente no cotidiano da civilização moderna. Fantasia e sociedade se misturam em um caldeirão de sentidos – em sua grande maioria desconexos – quase sempre, “formando” opiniões, gerando preconceitos e conceitos equivocados ou superficiais da realidade. Atualmente, a novela que se propõe representar a sociedade indiana não é diferente. A complexidade da Índia e sua identificação com a sociedade brasileira passam despercebidas na trama novelesca da Glória Peres. O que fica é o folclore e a transfiguração de uma sociedade, que guardada as devidas proporções, é bastante parecida com a nossa. Isso mesmo, a Índia é aqui.

A civilização original - Uma das civilizações mais antigas existente, a Índia é um caldeirão racial sem precedente, ao contrario do que é apresentado pela novela, as castas obedecem a um rígido sistema de estratificação sócioreligiosa-racial baseada na cor da pele, regida pelo Hinduismo – como nos informa o historiador Carlos Moore em sua obra O Racismo Através da Historia: da Antiguidade a Modernidade - A população nativa indiana esteve predominantemente constituída pelo dravidianos, gente de pele negra, responsáveis pela grande civilização surgida no Vale do Indo (Mohenjo-Daro, Harappa, Chanhu-Daro). Invadida e conquista por tribos bélicas de pele branca (1500 a.C.), denominados de “arria” (palavra em sânscrito antigo, cujo significado é: gente de pele nobre) daí a denominação, ariano. Os conquistadores impuseram uma nova ordem social baseada em características fenotípicas – cor da pele – assim, o sistema original de castas (varna), termo sânscrito de origem ariana que se traduz literal e etimologicamente por cor da pele, inicialmente surgido da ordem social nativa e caracterizado em sua origem exclusivamente por funções sócio-profissionais hereditárias, tornou-se racializado após as conquistas arianas. Ás castas constituem até os dias atuais as bases da violenta ordem racial que domina a sociedade indiana, pois, tanto os pertencentes a casta “inferior” (sudra) quanto á castas dos “intocáveis” (dalit e advasis) são exclusivamente de pele negra. Na Índia, a cor da pele clareia-se a medida que se suba na hierarquia das castas, e vise-versa, enegrece-se á medida que o individuo esteja inserido nas castas ditas inferiores e nas categorias desprezadas, fora do sistema de castas os chamados “intocáveis” – dalits. Atualmente a sociedade indiana é composta por mais de 3.700 castas e sub-castas.

Parias e demônios – parias ou intocáveis, como são conhecidos os que não figuram na ordem das castas, ou seja, abaixo das castas inferiores, são a base de toda a pirâmide social indiana onde exercem o papel de serem “poeira”. Invisíveis, como os invisibilizados da sociedade em que vivemos: mendigos, moradores de rua, pedintes e até trabalhadores de baixa remuneração como garis, domésticas, trabalhadores da construção civil entre outros que possuem baixa qualificação, portanto, sem visibilidade social positiva na nossa preconceituosa sociedade, em sua grande maioria representados por indivíduos negros. O Estado brasileiro e as questões mal resolvidas de sua Historia colonial perpetuada nos privilégios e no racismo velado da contemporaneidade , assim como a Índia, trava uma batalha para implementar o programa das políticas de cotas – Ações Afirmativas – como forma de corrigir as distorções religiosas e raciais daquele país. Inicialmente elaborada após o fim da Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), as Ações Afirmativas indianas sempre enfrentaram o ataque feroz das castas superiores, que não aceitam a presença dos advasis e dalits no parlamento, nas universidades e nos postos de comando do Estado. Um povo alegre, colorido, místico, mas, ainda vivendo sobre uma estratificação racial milenar, das mais complexas e agressivas que se tem registrado na História. A trama de Glória Peres passa bem distante da abordagem correta do real problema existente, assim como, a sociedade brasileira insiste no discurso da democracia racial contrariando os dados oficiais que denunciam o fosso racial nos setores da educação, da política e da economia em nosso país.

Em meio a mais de 3000 deuses, onde o Deus de um é o demônio do outro, gerando um movimento de intolerância contínua e extremamente agressiva em meio ao caos da sua superpopulação, a Índia figura entre os países emergentes alicerçado principalmente pelos avanços tecnológicos e pelo fato de falarem o inglês fluentemente “graças” a colonização inglesa. Intolerância religiosa, racismo e progresso cientifico se misturam em meio a um caldeirão plurietnico e patriarcal duro, fruto de um passado mal resolvido e dissimulado. Manter os privilégios de uma minoria em meio a miséria da maioria, subvertendo a ordem democrática moderna, é o que faz de melhor um país alicerçado, ainda hoje, em um projeto colonial baseado na exploração de pessoas de cor. Mas, midiaticamente só vemos a beleza da terra, as danças, a riqueza cultural e a harmonia das raças. A alegria em viver de maneira criativa a miséria de cada dia é festejada como forma de superação, naturalizada, ainda que não seja por causa do seu processo de reencarnação, afinal de contas, estou falando do Brasil e não da Índia. Sem duvida, a índia não é tão longe.

Hanka Nogueira

Luz e Força


sexta-feira, 8 de maio de 2009


(Re) Avaliação do 13 de Maio de 1888


Existe uma História do negro sem o Brasil;
o que não existe é uma História do Brasil sem o negro.
Januário Garcia.

No próximo dia 13 de maio, será comemorado os 121 anos da abolição da escravidão no Brasil. Ainda que o ato, sem medidas de reparação, tenha estabelecido a sub-cidadania da população negra que perdura até os dias atuais, por mérito, representa uma conquista dos negros e negras que lutavam nos quilombos espalhados pelos quatro cantos do país, dos abolicionistas que pregavam a necessidade de se por fim ao estagnado sistema escravista, de setores da população civil que não mais queriam a condição de ser a única nação do mundo a manter a escravidão, e da imprensa engajada que publicizava a necessidade de acabar com tão espúrio sistema de exploração. O sistema colonial brasileiro e suas práticas estagnadas, representavam um retrocesso no novo mundo que se desvencilhava com o avanço da industrialização e do crescimento da burguesia comercial, configurando-se, sem dúvida, como um dos motivos de extrema relevância para se por fim ao regime escravocrata. Mas, não o único.

A “história” oficial criou o mito da benevolência da princesa Isabel, que no dia de Nossa Senhora de Aparecida libertou os escravos num ato de bondade. Hoje, historiadores renomados – entre eles: João Reis, Wlamyra Albuquerque, Walter Fraga Filho com a obra: Encruzilhada da Liberdade, Maria Helena Machado com a obra: O Plano e o Pânico – em consonância com a lei 10.639 / 2003, que institui a obrigatoriedade da educação das relações étnico-raciais e o ensino da História e Cultura Afrobrasileira na Educação Nacional, revisam o fato histórico com um profundo teor realista e cientifico, apontando um novo olhar sobre o acontecimento histórico da abolição. Possibilitando a população brasileira, em especial aos educadores, novos paradigmas pedagógicos de abordagem da data.

Sobre o caminho pensado pelos escravocratas, as razões e interesses da invenção da liberdade e sua construção lenta e gradual como forma de não haver rupturas radicais no sistema desigual e racialmente delimitado - que ainda persiste em nossa sociedade - é facilmente identificado nas leis paliativas criadas para se postergar o fim do regime, a exemplo da: Lei do Ventre Livre (1871), por esta lei toda criança filha (o) de escrava, que nascesse a partir daquela data não era mais escravo (a), e sim “livre”. A mãe continuava escrava, mas a criança juridicamente “livre”. Sendo que, até os 8 anos de idade a criança ficava com a mãe, depois dessa idade, se fosse embora, o proprietário da mãe recebia uma indenização do Estado, mas a criança não recebia nada. Caso contrário, ficava até os 21 anos de idade prestando serviços ao dono da mãe. Vale a pena lembrar que até os 21 anos de idade o escravo atingia o seu período de maior produção. A lei Saraiva – Cotegipe ou Lei do Sexagenário (1885), o escravo que fizesse 60 anos estaria automaticamente livre. O problema é que pouquíssimos escravos conseguiam chegar aos 60 anos devido ao regime extremamente desumano e cruel da escravidão. Os que chegavam, estavam em condições de completo esgotamento físico, improdutivos para os senhores de engenho, peças facilmente descartável.

Em resposta a banalização das correntes históricas com as lutas de resistência coletivas e individuais dos escravos, e da tentativa de transformar a Princesa Isabel em heroína da liberdade escrava. O movimento negro na década de 80, afirma o 20 de novembro, data de aniversario de morte de Zumbi dos Palmares – líder do maior Quilombo brasileiro - como dia da Consciência Negra, atendendo a necessidade de reconhecimento dos movimentos de resistência contra a escravidão no passado, e na luta pela construção da cidadania na modernidade. As ações dessa vez se voltam para a desconstrução da errônea afirmação de que o Brasil é uma democracia racial, evidenciando-se a subcidadania negra criada pela não reparação dos danos causados pelo quase 400 anos do escravismo no Brasil. Hoje, se faz necessária uma leitura ampla dos movimentos de luta e resistência que levaram a abolição oficial da escravidão, apesar de setores da sociedade colonial insistirem em manter o regime escravocrata e os privilégios criados por ele.

No Brasil já existia um movimento insurgente contra a escravidão, movimento que contava com intelectuais, artistas e políticos a exemplo de: Visconde de Jequitinhonha, Luís Gama, Castro Alves, Joaquim Nabuco, André Rebouças, José do Patrocínio, e principalmente a participação da população que se organizava num movimento amplo que incluía poesia, musica, teatro, concertos, livros de ouro, bazares, clube feminino, caravanas e a participação de jornais e periódicos. Trava-se uma luta de idéias inéditas no País; Patrocínio (assinando Proudhomme) destroça o argumento de direito a propriedade: “A escravidão é um roubo”. Luís Gama, em SP, liberta mais 500 nos tribunais. A Confederação Abolicionista luta por aqueles que não chama de “escravos”, mas “escravizados”. No CE, jangadeiros boicotam o tráfico, destacando-se Francisco Nascimento o (Dragão do Mar). Começam as alforrias “espontâneas” (20 mil só no RJ, 1873-1885) Em atos públicos, passeatas, comícios nascem ações concentradas para emancipar todos os escravos: Ouvidor e Uruguaiana no R.J.; Largo de S. Francisco em S.P., vila Acarape no CE, em Porto Alegre e Amazonas. O movimento cresce e passa a contar com ações extralegais por parte de grupos armados e da população: ajudar fugas e quilombos, atacar capitães do mato, em SP são os Caifazes de Antônio Bento, também, intelectuais, estudantes, ferroviários, gráficos, muitos cocheiros. Em Campos, as Bastilhas de Luís Carlos de Lacerda incendeiam canaviais e arrancam escravos do tronco. O Clube do Cupim (PE), os grupos de Cesário Mendes (Cachoeira, BA) e Francisco Alves (Buquim, SE) dizem usar “Todos os meios”. A massa de escravos adere ao movimento pela fuga (1/3 dos 173 mil cativos de SP.) São as retiradas, que não deixam um só escravo em Rio Claro, SP. Nasce um quilombo de novo tipo abolicionista: o do Leblon (Rio); o do Jabaquara (Cubatão, SP.), com 10 mil habitantes, mil homens em armas, liderado pelo sergipano Quintino de Lacerda. Santos (SP) vira território livre. Matam-se senhores, capatazes e capitães do mato (estes já tem que ocultar as algemas ao conduzirem cativos), no que Luís Gama considera “atos de legitima defesa”. Certo que, após o 13 de maio a massa de ex-escravos deixa as fazendas sem opção, formam comunidades rurais de subsistência e os bairros africanos como Pequena África (Saúde, Rio) são marginalizados, vigiados, perseguidos, criando um débito histórico com a população negra que não foi indenizada pelos 358 anos de escravidão. A liberdade representada na prática da cidadania plena, ainda é uma condição a ser conquistada, mas, lutamos para a abolição ser construída. E vamos continuar a lutar para livrar o país das sequelas da escravidão, como queriam os abolicionistas em 1888.

Hanka Nogueira

Luz e Força

sexta-feira, 27 de março de 2009

A Expropriação Contemporânea do Ser Negro


Hanka Nogueira


Em recente conversa com Dona Valdina Pinto, e como sempre, atento as suas incomodações com a realidade atual, ouvi mais uma vez uma afirmação que me deixou intrigado: Hanka, o racismo hoje é bem pior. Ainda que tenhamos avançado, percebo ele bem mais forte. Dona Valdina é uma pessoa rebelde – ainda que achem de forma errônea que rebeldia é para inconsequentes -, a rebeldia esta na cerne de todo e toda aquela que não se contenta com pouco, com migalhas, que não se cala para fazer de conta, e continua a lutar para se chegar ao lugar almejado. Doa a quem doer. De corpo altivo e visão futurista, mais uma vez Dona Valdina aponta caminhos e vaticina. O racismo, nunca foi tão violento. Atento a essas palavras, percebo uma realidade descortinar-se dentro de um censo crítico e prático. E penso.

O racismo do Sec. XXI - Apesar da “aceitação” comercial do estereotipo negro: suas tranças, danças, musicalidade, ritmos, roupas e tudo mais que signifique ser afro (?), ainda que para alguns, propositadamente, a ideia equivocada de Ser Negro, esteja atrelada a marcas de “identidade” meramente produzida frente ao espelho. Sem conteúdo, nem conhecimento das simbologias que estas trazem. E, apesar de algumas organizações e “representações” da chamada Comunidade Negra - termo mais acertado para se pensar parte da população, dentro de uma homogeneidade simbólica e prática, mais correto seria falar em População Negra, aí cabe a verdadeira heterogeneidade da raça em sua diversidade e principalmente contradições -, fazem com que o discurso e atos dos profissionais do ramo se percam diante da realidade e/ou fique atrelado a seus grupos: acadêmicos, ongs, lideranças, famílias. Elitizados nos hábitos cotidiano, assistindo tudo de camarote. Literalmente. Ai cabe a representação do racismo em sua mais perversa perfeição. Transmutável, atemporal, dinâmico, modernamente rentável e cooptador.

A rentabilidade como domesticação - A expropriação cultural, religiosa, simbólica e de tudo mais que faça parte do universo do Ser negro, é, sem duvida, a face do racismo mais contundente nos dias atuais. A vulgarização das relações pessoais, do modo de vida dos negros e negras segregadas, a banalização dos problemas vivenciados no dia a dia, a visibilização dos ritos e mitos sagrados, a folclorização das religiões e de tudo que pertença ao universo da negritude, é comercializado numa sanha lucrativa sem limites. Descaradamente usurpado em nome de uma “cultura regional” cômoda para alguns, diga-se de passagem, “irmãos” negros - “detentores” do direito a comercialização -, por outro lado, rentabilizado por um pequeno grupo que domina os meios de comunicação e o aparelho estatal. Vende-se tudo. Da alma a dor, as necessidades e as conquistas históricas e sociais, da sublimação da vida desumana a morte trágica. Transformando-se tudo que signifique ser baiano, que se entenda como cultura baiana, em um conceito de domesticação, capitalizando-se valores humanos e sociais, pesando-se tudo em balança viciada. De um lado, uma construção cultural rica e facilmente vendida. Do outro, um povo que possui uma riqueza autonegada como forma de aceitação da miserabilidade que vive, de entrega passiva do patrimônio que possui. O não enxergar, o não rebelar-se, faz parte da trama, da complexidade da teia dentro desse neo-racismo. Mas, a rebeldia ainda é ferramenta de guerra para poucas e poucos. Cabe ouvir atentantemente aquelas e aqueles, que possuem algo a dizer e deixar de lado as reproduções de discurso e praticas contrarias a Historia de luta dos que se foram.


Luz e Força

segunda-feira, 2 de março de 2009

A Sociedade Brasileira, e sua Caminhada para Morte


Hanka Nogueira


A mídia nacional insiste em publicizar em um espetáculo mórbido, que chega a durar meses, a depender da possibilidade de exploração do fato, os crimes cometidos com atos de crueldade, principalmente contra a classe média. Um observador desatento não pensaria duas vezes em comemorar a “preocupação” da imprensa com a manutenção da ordem e do direito a segurança. Se, por um lado, você tem uma imprensa vigilante e ativa. Por outro, você observa um Estado ocioso e paciente. Engana-se quem aposta na desestruturação da maquina pública e sua inoperância perante a violência. O fato, é que, perante os crimes publicizados cresce as declarações nas ruas a favor da pena de morte. A medida passou a ser desejada por grande parte da população desatendida pela segurança publica e refém da imprensa de massa. O Estado puni, assim como vigia - ainda que achem que ele é inoperante e incompetente -, e na medida em que cala e permite a onda de violência, assinala para um estado punitivo mais duro, na verdade, esta mais do que nunca requerendo o seu monopólio a violência e ao “direito” de matar.

Erro Histórico – As ordenações Afonsinas e Manoelinas – leis impostas que regulamentavam o funcionamento e a ordem na recém “descoberta” colônia brasileira –, já Aplicava a pena de morte, onde os alvos principais sempre foram índios e negros. O espetáculo previa a morte pela forca, fogueira ou pela espada. Após a execução, o corpo era esquartejado e tinha os pedaços espalhados nos quatro cantos da cidade, pendurados em postes, ficavam durante meses cobrindo a cidade com o cheiro da fedentina dos restos apodrecidos. Os revolucionários da Revolta dos Búzios (1789), assim como, os líderes do Levante do Rio Joanes (1814), são exemplos desse festim macabro. Enforcados, tiveram as cabeças cortadas e os pedaços pendurados na praça municipal. No Sec.XIX, mais especificamente em 1830, o Código Penal da recém proclamada independente colônia brasileira, previa a pena de morte em casos de homicídio, latrocínio e principalmente insurreições escravas – rebeliões -, onde o acusado era conduzido pelas ruas da cidade, para, dentro de uma pedagogia “preventiva”, ser exposto ao olhar da população, para que, a mesma, visse o “espetáculo” e soubesse o quanto dura e cruel seria a punição daquele que subvertesse a ordem estabelecida. A pena de morte foi aplicada até a segunda metade do Sec. XIX, quando por um erro judiciário foi morto Mota Coqueiro, em 1855, na região de Macaé, acusado por desafetos políticos de ter assassinado oito colonos . Por se tratar de um homem branco pertencente a aristocracia brasileira, a execução abalou a população e ao imperador, que após o fato aboliu a pena de morte no Brasil. No Sec. XX, a nação brasileira foi signatária dos principais instrumentos de garantia a vida e a liberdade, a exemplo da: Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), culminando com a elaboração da Carta Magna de 1988. Documento maior, de proporção humanitária sem precedente no país, confirmando a sua caminhada a uma nação humanista e democrática.

O Estado no banco dos réus – Diante da crise ideológica da população e seus posicionamentos superficiais acerca do que venha a ser segurança pública e suas garantias de proteção a vida. Se torna necessária uma leitura ampla da “crise” da segurança e de significação do Estado Democrático de Direto em que vivemos. O seu trato com a violência e suas ferramentas de controle da mesma. A violência brasileira é ao mesmo tempo estrutural e conjuntural. Por um lado, a estrutura racista, segregacionista e de capitalização ferrenha dos valores públicos em suas praticas diárias, apontam para a repetição de praticas vis como os exemplos históricos elencados; O Estado brasileiro se assenta em bases coloniais no que tange principalmente as relações humanas. A sociedade aprendeu a se fechar, não somente em condomínios com a equivocada idéia de proteção a sua integridade física e ao seu patrimônio, desta forma, requerendo o direito de cidadão “livre” em busca do pleno gozo da sua liberdade as avessas. O não olhar das elites para a realidade das ruas e o seu distanciamento da mesma enquanto espaço publico, demonstra a capacidade perversa - em que se transmuta o Estado - enquanto regulador da ordem e das relações entre a população. A segmentação da população em nichos sociais, vivenciando violências em graus diferentes, ainda que se enganem achando que não são atingidos, é, ao mesmo tempo, a falência das relações sociais e a personificação do Estado excludente que criamos. Sim, criamos, pois o Estado é ao mesmo tempo criador e criatura.


A conjuntura atual da segurança publica é de fácil identificação a partir do processo de privatização da mesma: O abandono do aparelho de reclusão e “ressocialização” – penitenciarias -, o modelo de combate as drogas a partir, principalmente, da repressão a áreas segregadas e pobres, o abandono da corporação militar sem aparato tecnológico muito menos treinamento humano qualificado que atente para a realidade histórica e psicossocial do policial – negro, periférico, pobre, discriminado – ou seja, uma bomba ambulante. Nesse emaranhado de situações complexas – ou complexadas - a população se encontra perdida enquanto autoridade civil, destituída da mesma. Refém da própria cilada e discurso no imediatismo e na falta do poder de voz. Desta forma, atenta contra a própria liberdade e a possibilidade de intervenção no contexto social vivenciado delegando a um corpo simbólico - identificado por uma minoria fascista representada por uma mídia sensacionalista e de profissionais retrógrados da segurança publica - o ato de ser algoz, não somente do corpo físico que incomoda ou incomodará, mas, do sonho coletivo de uma sociedade realmente justa, livre e democrática como sugere a constituição.


segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

A Pobreza Enquanto Negócio

Valter da Mata*

Assistir os 104 minutos do filme de Sérgio Bianchi, Quanto vale ou é por quilo? (2005), não é uma das tarefas mais agradáveis. Livre adaptação do conto “Pai Contra Mãe” , de Machado de Assis e entrecortado com pequenas crônicas sobre a escravidão, extraídas dos autos do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, o filme expõe as mazelas e contradições de um país que ainda procura seu caminho para seu desenvolvimento ético e moral.
Num tom semi-documental, o filme nos introduz ao universo nada glamouroso das atividades das Organizações Não Governamentais (ONGs). O que fica explícito é que a pobreza e a miséria são tratadas como um negócio muito lucrativo e a exploração dessas se revela num jogo cruel, onde o que vale é o quanto se ganha. No longa vemos como os projetos sociais servem de pretexto para toda sorte de falcatruas e negociatas como lavagem de dinheiro, desvio de verbas, enriquecimento ilícito, sonegação fiscal, entre outras.

Fica difícil rotular mocinhos e bandidos nesse caldeirão caótico. Na melhor linha ‘farinha pouca, meu pirão primeiro’, os personagens mostram uma completa falta de ética e desde que eles possam levar vantagem em algo, tudo é válido e justificável. Ricos e pobres, homens e mulheres, negros e brancos, todos ajudam a compor um quadro grotesco de injustiça e mesquinharia.

As relações raciais aqui são retratadas de forma interessante, numa comparação entre o Brasil Império e o Brasil Conteporâneo. As associações são diretas, sem direito a elaborações mais sofisticadas. A senzala vira favela e periferia e os escravos agora se chamam assalariados ou desempregados, sem direito a ração diária. Quadro curioso é o retrato do Capitão do Mato, enquanto no Brasil Império, este personagem ganhava a vida a perseguir e capturar negros escravizados fugidos, nos tempos atuais continuam a sujar suas mãos de sangue, fazendo o trabalho sujo para os senhores de engenho, metamorfeados em polícia e grupos de extermínio.

A exploração da pobreza é aqui apresentada, num discurso cínico justificador de algo que gera emprego e renda. As ONGs são dirigidas por pessoas que tem asco do público alvo, não se importando com as reais necessidades desses grupos oprimidos. Na verdade esses grupos são vistos como peças descartáveis, engrenagens de uma máquina que as devoram. Os projetos são pensados fora de qualquer necessidade real da comunidade, são decididos em gabinetes e o critério básico é quanto cada participantes do planejamento, assim como como e quanto sua curriola irá lucrar com a execução do projeto.

Programas de inclusão digital que só ensinam os jovens a lidar com orkut e msn, programas de cunho religioso sem o menor respaldo científico para combate ao vício de drogas, cursos de artesanato, dança, instrumentos musicais e toda sorte de “capacitação profissional” são oferecidas sem a menor participação daqueles que são o público alvo. Tudo isso com o consentimento do governo, que injeta milhões de reais nesses programas e os repassam às ONGs gerirem esses recursos.

Para quem não entra no esquemão das negociatas e atividades ilícitas, só restam as migalhas. E por falar de migalha, o quão é chocante a cena na qual um grupo de manifestantes indignados com a corrupção de um gestor dessas ONGs, cala-se imediatamente quando são convidados a participar de uma festa em homenagem ao própio corrupto. A suntuosidade do lugar emudece todo o grupo, que mesmo deslocado por não estarem trajados à rigot, não perde a oportunidade de desfrutar a ocasião nababesca.

No filme vemos uma jovem pobre da periferia, em avançado estado de gravidez, solicitando ao seu companheiro desempregado que o mesmo compre uma tintura para o seu cabelo enquanto folheia uma revista de celebridades. Para logo depois outro personagem afirmar que o desejo de consumo de todas as classes sociais pe determinado pela classe A. Nesse país você é o que você consome e o jogo midiático nos impele a buscar a qualquer custo os nossos 15 minutos de fama.

O quadro pintado é pessimista, Bianchi não nos mostra luz no fim do túnel. E apesar do filme terminar com uma celebração de uma família pobre, saímos com a incômoda sensação de que não há o que comemorar. O país expõe suas veias anti-éticas, onde ser honesto é sinônimo de ser otário. Sim, esse é o retrato do Brasil, talvez cronicamente inviável, mas aí já é uma outra história.
Mata, Valter (2008) A Pobreza enquanto Negócio Presente! revista de educação / Centro de Estudos e Assessoria Pedagódica. Ano 16, n.4, (dez/2008) Salvador:CEAP,n.63.
* Valter da Mata é mestrando do Programa de Pós-graduação em Pisicologia da Universidade Federal da Bahia, docente do Programa de Metodologia dos Estudos Africanos e Afro-brasileiros da Famettig e Vice-presidente do Conselho Regional de Psicologia Região 03 – Bahia / Sergipe.