quinta-feira, 27 de agosto de 2009


Civilização, Civismo, e Brasil


Quem não tem presente vive de futuro
Raul Seixas


Tão tumultuado como a História do Brasil, é o exercício da convivência social entre a população brasileira, fruto de uma formação identitária inconclusa, apesar das contribuições das diversas matrizes civilizatórias que aqui se estabeleceram. A negação das matrizes indígena e negra em favorecimento de um modelo ideológico único e homogêneo, baseado na imposição socio-racial, cujo alicerce se desenvolveu e se perpetua no racismo, no patriarcalismo assistencialista e na divisão de classes, permitiu e permite, a formulação de um adestramento social onde parte da população – identificada com ascendência européia -, é “educada” com base nos privilégios históricos que terminou por criar uma sociedade desigual em praticas e direitos. Cercada de ideologias e mitos, onde se perpetua o favorecimento daqueles que se auto proclamam os únicos capazes a conduzir o país, relegando a maioria a obediência passiva e a “naturalização” desse pseudo fato. Cria-se um ambiente propício a construção de um limbo social, alicerçado na cidadania subjetiva em direitos e estimulada em preconceitos.

O Eterno País do Futuro – O sonho de uma nação desenvolvida, livre das mazelas sociais, economicamente equânime e socialmente democrática, fica relegada ao devir, a um futuro promissor. Gerando conformismo ao mesmo tempo em que consegue ser “palpável” em idéias e desejos. Desta forma, materializa-se na “democracia” presente a inércia social baseada na alienação e na aceitação. Perversa, autoritária e extremamente manipuladora, a república brasileira transmuta-se em continuismo a cada tentativa de real mudança na estrutura cultural e social. O distanciamento do agora em nome de um projeto ilusório de transformação futura alicerça-se negando praticas de revisão dos conceitos e abolição dos preconceitos, mantendo um ideário de democracia subserviente a uma elite excludente, o que viabiliza a não concretude dos avanços legislatórios da Constituição de 1988 – Essa, transformada em letra morta – a Constituição Cidadã. A suposta cordialidade do povo, o discurso da democracia racial, o desapego as leis, a invisibilização conjuntamente com a inviabilização do outro, atestam a impossibilidade de uma convivência cidadã entre a população, portanto, o não socializar-se é visto como forma de defesa dos interesses. Não existe coletividade e perde-se tudo. O espaço das ruas, a consciência publica, as normas de convivência, a interação entre as pessoas, o respeito as diferenças. Se faz necessária uma revisão conceitual da nossa formação enquanto povo. A nação so poderá nascer a partir dessa revisão. Conceitos básicos como o engodo do “descobrimento”; A formulação ideológica doentia da sociedade trazida do além mar; O modelo de desenvolvimento primitivo de capital por meio da escravidão e suas consequências posteriores como a subcidadania dos negros juntamente com o genocídio dos índios implementado pelo Estado; A burocratização da maquina pública como forma de privilegiar um grupo e emperrando o desenvolvimento como um todo; A concentração histórica de renda; E a tomada da condução político-administrativa a partir de uma elite, são fraturas expostas da nossa necrose social.

Cultura como Formação de Identidade - Cercada por interesses patrimonialistas e espúrios, a população brasileira assiste a condução do processo político “democrático” pela TV. Entorpecida pelo processo de negação a informação de qualidade, associado aos joguetes de cena de grupos que tentam de todas as formas subtrair as conquistas sociais, como atesta a tentativa de “enxugar” a constituição brasileira – Proposta de Emenda Constitucional 341/09, do deputado Régis Oliveira (PSC – SP), cujo intuito é diminuir de 250 para 76 os artigos da Constituição – torna-se evidente que, o modelo civilizatório que nos é imposto atenta contra todas as garantias sociais dos segmentos plurietnicos do país, delegando a gerações futuras um modelo falido de sociedade cujo direcionamento é o lucro a qualquer custo, a destruição do meio-ambiente, o desrespeito a memória coletiva, a inversão de valores e o não reconhecimento da legitimidade popular. Se faz necessário um redimensionamento da riqueza e dos valores da nação no campo simbólico. A riqueza enquanto produto material, resultado da produção do trabalho, principalmente o atrelamento deste a tecnologia de ponta, cujo interesse é tão somente o luxo, precisa dar lugar ao valor imaterial da nossa cultura que esta impregnado nas coisas e nos bens subjetivos da sociedade multiracial e plurietnica que possuímos. As características intrínsecas ao nosso Ser enquanto povo, fruto do processo civilizatório plurietnico que aqui se desenvolveu, resultou na formação de riquezas simbólicas que estão impregnadas em nossa cultura e não em valores puramente físicos. Dentro da modernidade, hoje, a verdadeira riqueza encontra-se centrada não mais no material ,mas, no simbólico, na subjetividade.


Lei contra a Justiça  - Com uma grande parte da sociedade vivendo na marginalidade – a margem – os valores enquanto forma de regulação social se perdem na deformação do cotidiano, estimulando a prática discriminatória ao mesmo tempo em que se é alvo da discriminação. Se discrimina numa tentativa vã de minorar a sua própria vitimação, impossibilitando a sociedade de agrupar-se em torno de interesses comuns que possibilitem uma mudança social concreta. A necessidade de se redimensionar o significado do conceito de justiça, em todas as instancias possíveis e imagináveis, devera ter como conceito basilar uma justiça de valores, intenções, símbolos e significados. So desta forma entenderemos a reivindicação ancestral de negros e índios. E ai sim, estaremos em paz com a nossa consciência e prontos para prosseguirmos na construção de uma nação sem estigmas e legados ruins.

Hanka Nogueira

Luz e Força