segunda-feira, 23 de junho de 2008

Avaliação de Durban: encontro preparatório da sociedade civil 2008


Avaliação de Durban: encontro preparatório da sociedade civil 2008

De 17 a 19 de junho, em Brasília, aconteceu a Conferência Regional de avaliação da Declaração e do Programa de Ação da Conferência de Durban, etapa preparatória para a Conferência Mundial, em 2009. Nos dias 14, 15 e 16, foi realizado o encontro preparatório da sociedade civil, também na capital federal.Leia aqui o documento "Declaração da Sociedade Civil das Américas frente à Conferência Mundial de Revisão de Durban" (em português)Leia aqui o documento "CONFERENCIA DE REVISIÓN DE DURBAN: DECLARACION DE LA SOCIEDAD CIVIL DE LAS AMÉRICAS" (em espanhol)Leia a íntegra da reportagem sobre o encontro preparatório da sociedade civil
A III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas foi realizada na cidade de Durban, na África do Sul, entre o final de agosto e o início de setembro de 2001, representando um importante momento de reflexão sobre os desafios a serem superados para o combate a diferentes formas de racismo e discriminação. Cerca de 18.000 profissionais e representantes de 170 países participaram do evento, dentre os quais 300 ativistas brasileiros.Como produto final da Conferência, os Estados participantes adotaram uma agenda comum de combate à discriminação e a intolerância que ficou registrada em dois documentos oficiais: a Declaração Política, onde consta uma série de compromissos a serem compartilhados; e o Programa de Ação, no qual são descritas as medidas para concretizar os pressupostos da Declaração. Além disso, dada a relevância desses documentos, ratificados pela Assembléia Geral das Nações Unidas, bem como dos debates e análises que se seguiram à realização da Conferência de Durban, os Estados se comprometeram a avaliar periodicamente os avanços com relação à efetivação dos compromissos e ações firmados. Houve uma primeira avaliação em julho de 2006, durante a Conferência Regional das Américas sobre Avanços e Desafios no Plano de Ação contra o Racismo, Discriminação, a Xenofobia e as Intolerâncias Correlatas sediada em Brasília, cujo relatório final reúne proposições para a promoção da igualdade racial e o combate às desigualdades raciais e às demais formas de discriminação. Outro momento de avaliação acontecerá entre os dias 14 e 19 de junho, na Conferência Regional de Revisão da Declaração e do Programa de Ação da Conferência de Durban e o encontro preparatório da sociedade civil, como partes da preparação da Conferência Mundial de Revisão, prevista para 2009.
A organização do encontro preparatório da sociedade civil e da conferência governamental está sendo coordenada pela Seppir e pelo Itamaraty. Acesse o site da Seppir para mais informaçõesOu entre em contato com a secretaria pelo telefone: (61) 3411-3610.Histórico da conferência e documentos oficiaisDeclaração e programa de açãoHistórico
Análises e avaliações A Batalha de DurbanArtigo Jurema WerneckEntrevista com Cidinha da Silva na Agência Ibase
Estratégias pós-DurbanIndígenas denunciam
Informações sobre a Conferência das AméricasPrimeiro informeSegundo informeTerceiro informeRelatório final
Fonte: Esta compilação foi feita pela ONG Ação Educativa

Anotações sobre um gesto pós-racial. Por Muniz Sodré

Nunca a grande imprensa brasileira falou tanto sobre a questão racial quanto agora. De algum tempo para cá, o tema comparece em editoriais, artigos, crônicas, reportagens, dando ou não seguimento a acontecimentos significativos, como a ida de um grupo de intelectuais ao Supremo Tribunal Federal para entregar um manifesto contra as cotas que favorecem negros nas universidades.
As posições favoráveis e contrárias já são mais ou menos conhecidas (embora não tanto as motivações profundas dos opositores). Mas uma notícia que pode ter passado despercebida é capaz de lançar uma luz nova sobre o assunto: a atriz Marília Pera convidou o ator negro Lázaro Ramos para um dos papéis principais da peça The Vortex, que será encenada no Rio. O personagem a ser vivido por Lázaro é, no texto, branco, de família tradicional inglesa (O Globo, 9/6). O notável do fato é que, até agora, o universo ficcional brasileiro tem obedecido ao cânone da verossimilhanç a sócio-histórica.

Este pode ser exemplificado da seguinte forma: um fictício presidente da República não seria jamais interpretado por um negro (em peça, drama televisivo, cinema, filme etc.) por infringir a regra do verossímil, que apontaria para a evidência (meia-evidência, na verdade...) de que nunca houve um primeiro mandatário negro no Brasil. Ora, se se trata de ficção, por que atender aos requisitos da realidade histórica? A televisão norte-americana tem dado uma resposta singular à questão, ao colocar um negro como presidente da República numa série policial (24 Horas). Agora, é a vez de Marília Pera romper o cânone.
O corner do binarismo. A iniciativa da atriz é de natureza "pós-racial". Primeiro, tem implícito o pressuposto - corretíssimo - de que raça só existe uma: a humana, distribuída numa miríade de cores ou fenótipos, dos claros aos escuros. Depois, a escolha obedece apenas a critérios técnicos de adequação do ator ao personagem, e não à verossimilhanç a fenotípica. Um ser humano de carne e osso vai viver um outro, feito de imaginação e papel, no teatro. Lázaro Ramos já havia sido protagonista do filme O Homem que Copiava, de Jorge Furtado, sem que tenha sido levantada em qualquer passagem do roteiro a questão da cor da pele. Aos olhos do espectador, um homem, simplesmente um homem, relaciona-se com outros em proximidade, desracializado.
Há uma coincidência singular entre o fato referente à peça inglesa e o momento histórico em que o negro-mestiço Barack Obama é indicado como candidato do Partido Democrata à presidência da República dos Estados Unidos. "Negro-mestiço" para nós, "negro" para o sistema classificatório norte-americano (onde vige a one drop rule, ou seja, uma gota de sangue negro define racialmente o sujeito), Obama merece, assim como Lázaro Ramos, o epíteto de "pós-racial". Isto quer dizer que não racializou a sua campanha, apesar das tentativas dos adversários no ring das primárias, de levá-lo ao corner do binarismo racial
Análises e soluções diferenciadas Tudo isso pode soar aos desavisados como base argumentativa contra as cotas no Brasil. Não é bem assim. Um artigo do cantor e compositor Martinho da Vila (O Globo, 10/6) no dia seguinte ao da notícia da peça também traz luz para o assunto. Martinho conta de seu espanto, na primeira viagem aos Estados Unidos, ao ver estampados em cartazes, nas ruas e em lugares de destaque, as imagens de negros socialmente proeminentes. Espantava-o o grau de visibilidade pública de cidadãos uma vez descritos pelo escritor Ralph Ellison como "homens invisíveis". Isto não se dá por acaso, nem por pura e simples graça do poder: os negros, com todas as suas contradições internas, empenharam-se durante gerações na luta por direitos civis igualitários.
Ora, dirão, esse binarismo radical que ensejou a luta por direitos mais civis nos Estados Unidos não é o caso brasileiro.. O que é a mais absoluta verdade e contraria a que se apliquem aqui, sem mais nem menos, critérios válidos para a realidade norte-americana, tal como a "regra da gota única de sangue". Mas da mesma maneira não se pode invocar o "pós-racialismo" de Obama para dizer que o Brasil já dispõe há muito da fórmula agora encontrada pelo candidato democrata. São realidades diferentes, que induzem a análises e soluções diferenciadas. A boa saúde mental e cívica recomenda uma pausa nos reflexos especulares do centro do Império. "Relação social de raça" Uma pausa dessas pode servir para pensar que possivelmente o gesto pós-racial da atriz Marília Pera tenha sido "sobredeterminado" (uma múltipla determinação, em que o fenômeno Obama pode até ter tido algum peso) pela conjuntura sócio-político- cultural que a temática das cotas suscitou no Brasil.
Desde o Prouni, ganhou foro público a questão da cidadania de segunda classe, de sua exclusão sistemática das oportunidades historicamente concedidas aos que já nascem "cotados" ou "patrimonializados" pela cor socialmente valorizada. Mas as cotas de agora - recurso, para mim, provisório - representam uma estratégia de visibilidade mais forte, esta que os Estados Unidos de algum modo já obtiveram, sem, entretanto, resgatar a maioria negra de seus bolsões de pobreza, nem diminuir esse mal-estar civilizatório que é a discriminação racial. O conceito científico de raça acabou, mas não acabou a "relação social de raça", isto é, o senso comum atravessado pelo imaginário racialista. Visibilidade valorizada
Os intelectuais que, em jornais ou na academia, formaram um ativo bloco orgânico para pregar contra as cotas, não desconhecem o fato de que a cidadania, conceito eminentemente político, nasce no solo da visibilidade dos membros de uma comunidade: o sujeito visível tem voz pública; o invisível, não. O escravo grego não podia ser cidadão porque não dispunha do "capital" de visibilidade suficiente (naturalidade da língua, da fratria etc.) para falar na ágora. A decisão sobre quem pode ou não falar, ser visto e ocupar os lugares do privilégio, é de natureza estética, no sentido radical desta palavra. Na raiz, estética e política coincidem. Uma política de cotas não implica que se acredite na existência de raças, e sim que as diferenças estético-fenotí picas têm conseqüências para a igualdade dos cidadãos.

Sobre a branquitude da paisagem eurocêntrica projeta-se alguma "colorização" de espaços - fonte do espanto de Martinho da Vila, ponto de partida de uma visibilidade valorizada. Não se pode realmente acreditar que as cotas venham resgatar a situação socioeconômica dos escuros e desfavorecidos, nem resolver o problema da introjeção histórica dos estereótipos racistas. O exemplo do pós-racialismo é algo de fato desejável, pode ser uma meta. Mas não é algo que esteja aí à disposição dos interessados, como uma espécie de fruto natural gerado pela suposta boa consciência daqueles que dizem temer a "racialização" da sociedade brasileira. Em termos coletivos, será o resultado de lutas e cotas em que venham a envolver-se também empresas e outras instituições pertinentes, além do Estado. A visibilidade valorizada é um começo razoável.