segunda-feira, 2 de março de 2009

A Sociedade Brasileira, e sua Caminhada para Morte


Hanka Nogueira


A mídia nacional insiste em publicizar em um espetáculo mórbido, que chega a durar meses, a depender da possibilidade de exploração do fato, os crimes cometidos com atos de crueldade, principalmente contra a classe média. Um observador desatento não pensaria duas vezes em comemorar a “preocupação” da imprensa com a manutenção da ordem e do direito a segurança. Se, por um lado, você tem uma imprensa vigilante e ativa. Por outro, você observa um Estado ocioso e paciente. Engana-se quem aposta na desestruturação da maquina pública e sua inoperância perante a violência. O fato, é que, perante os crimes publicizados cresce as declarações nas ruas a favor da pena de morte. A medida passou a ser desejada por grande parte da população desatendida pela segurança publica e refém da imprensa de massa. O Estado puni, assim como vigia - ainda que achem que ele é inoperante e incompetente -, e na medida em que cala e permite a onda de violência, assinala para um estado punitivo mais duro, na verdade, esta mais do que nunca requerendo o seu monopólio a violência e ao “direito” de matar.

Erro Histórico – As ordenações Afonsinas e Manoelinas – leis impostas que regulamentavam o funcionamento e a ordem na recém “descoberta” colônia brasileira –, já Aplicava a pena de morte, onde os alvos principais sempre foram índios e negros. O espetáculo previa a morte pela forca, fogueira ou pela espada. Após a execução, o corpo era esquartejado e tinha os pedaços espalhados nos quatro cantos da cidade, pendurados em postes, ficavam durante meses cobrindo a cidade com o cheiro da fedentina dos restos apodrecidos. Os revolucionários da Revolta dos Búzios (1789), assim como, os líderes do Levante do Rio Joanes (1814), são exemplos desse festim macabro. Enforcados, tiveram as cabeças cortadas e os pedaços pendurados na praça municipal. No Sec.XIX, mais especificamente em 1830, o Código Penal da recém proclamada independente colônia brasileira, previa a pena de morte em casos de homicídio, latrocínio e principalmente insurreições escravas – rebeliões -, onde o acusado era conduzido pelas ruas da cidade, para, dentro de uma pedagogia “preventiva”, ser exposto ao olhar da população, para que, a mesma, visse o “espetáculo” e soubesse o quanto dura e cruel seria a punição daquele que subvertesse a ordem estabelecida. A pena de morte foi aplicada até a segunda metade do Sec. XIX, quando por um erro judiciário foi morto Mota Coqueiro, em 1855, na região de Macaé, acusado por desafetos políticos de ter assassinado oito colonos . Por se tratar de um homem branco pertencente a aristocracia brasileira, a execução abalou a população e ao imperador, que após o fato aboliu a pena de morte no Brasil. No Sec. XX, a nação brasileira foi signatária dos principais instrumentos de garantia a vida e a liberdade, a exemplo da: Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), culminando com a elaboração da Carta Magna de 1988. Documento maior, de proporção humanitária sem precedente no país, confirmando a sua caminhada a uma nação humanista e democrática.

O Estado no banco dos réus – Diante da crise ideológica da população e seus posicionamentos superficiais acerca do que venha a ser segurança pública e suas garantias de proteção a vida. Se torna necessária uma leitura ampla da “crise” da segurança e de significação do Estado Democrático de Direto em que vivemos. O seu trato com a violência e suas ferramentas de controle da mesma. A violência brasileira é ao mesmo tempo estrutural e conjuntural. Por um lado, a estrutura racista, segregacionista e de capitalização ferrenha dos valores públicos em suas praticas diárias, apontam para a repetição de praticas vis como os exemplos históricos elencados; O Estado brasileiro se assenta em bases coloniais no que tange principalmente as relações humanas. A sociedade aprendeu a se fechar, não somente em condomínios com a equivocada idéia de proteção a sua integridade física e ao seu patrimônio, desta forma, requerendo o direito de cidadão “livre” em busca do pleno gozo da sua liberdade as avessas. O não olhar das elites para a realidade das ruas e o seu distanciamento da mesma enquanto espaço publico, demonstra a capacidade perversa - em que se transmuta o Estado - enquanto regulador da ordem e das relações entre a população. A segmentação da população em nichos sociais, vivenciando violências em graus diferentes, ainda que se enganem achando que não são atingidos, é, ao mesmo tempo, a falência das relações sociais e a personificação do Estado excludente que criamos. Sim, criamos, pois o Estado é ao mesmo tempo criador e criatura.


A conjuntura atual da segurança publica é de fácil identificação a partir do processo de privatização da mesma: O abandono do aparelho de reclusão e “ressocialização” – penitenciarias -, o modelo de combate as drogas a partir, principalmente, da repressão a áreas segregadas e pobres, o abandono da corporação militar sem aparato tecnológico muito menos treinamento humano qualificado que atente para a realidade histórica e psicossocial do policial – negro, periférico, pobre, discriminado – ou seja, uma bomba ambulante. Nesse emaranhado de situações complexas – ou complexadas - a população se encontra perdida enquanto autoridade civil, destituída da mesma. Refém da própria cilada e discurso no imediatismo e na falta do poder de voz. Desta forma, atenta contra a própria liberdade e a possibilidade de intervenção no contexto social vivenciado delegando a um corpo simbólico - identificado por uma minoria fascista representada por uma mídia sensacionalista e de profissionais retrógrados da segurança publica - o ato de ser algoz, não somente do corpo físico que incomoda ou incomodará, mas, do sonho coletivo de uma sociedade realmente justa, livre e democrática como sugere a constituição.