sábado, 13 de dezembro de 2008

Dom Casmurro e o Homem Brasileiro

Hanka Nogueira

Sem querer fazer uma avaliação técnica da produção machadiana, resolvi escrever esse pequeno texto sobre as minhas impressões da obra que virou microsserie na TV: DOM CASMURRO (Capitu). Ainda que essa não seja a minha predileta do autor, mas, sem duvida, a mais comentada e lida. E é justamente sobre isso que escrevo. Sobre a repercussão da duvida de Bentinho, e a sua nada acidental aparência com o típico homem brasileiro: Machista, sexista e possessivo. Afinal de contas, o célebre escritor Machado de Assis com o seu historicismo sociológico, transcreveu para a sua obra a psicologia do Brasil escravista e patriarcal, ainda que, enganosamente o acusem de não ter tocado na questão escravista, os contos: Pai contra Mãe e Bondade dos Brancos (esse escrito seis dias após a abolição), denunciam o contrario. Penso que, o Brasil de hoje tem muitos resquícios da colônia que foi, e dessa época, mantem as suas relações de poder e hierarquia baseada em estigmas raciais e sociais. Na referida obra a questão da mulher e das relações de poder em que se baseavam os casamentos de outrora, nos são jogadas de forma bem sucinta pelo autor e o seu Dom Casmurro, que se mostra, ainda hoje, um típico e cultural homem brasileiro.

Hormônio e Cultura – ”Capitu era mais mulher do que eu era Homem”. Com essa afirmação a celebre personagem de Machado de Assis (Bentinho), resume a sua pequenez frente àquela mulher que ainda era uma menina. Sim, uma menina, mas, que também já era uma mulher. Sem querer ser redundante nem prolixo, mas ser mulher e menina é algo completamente normal para esse “bicho”. Quem nunca reparou na diferença existente entre um garoto de 14 anos e uma menina da mesma idade. Essa, um projeto da mulher que um dia será ou é. Aquele, um ser perdido entre os seus hormônios que mal consegue compreender o seu corpo, nem ao menos domar a sua voz que altera entre o grave e agudo a cada frase. Se pensam, que estou aqui querendo justificar de forma biológica o amadurecimento “prematuro” da mulher frente ao homem, acertou! É isso e assumo. Elas saem na frente, e se não avançam mais, é graças a cultura castradora que possuímos, fruto da nossa formação portuguesa judaico-cristã, onde a construção do sentimento de culpa como castigo, é um instrumento de controle e submissão. O mesmo castigo “divino” dado a Eva, a primeira a ser penalizada por ousar se libertar, recebeu a dor como maldição e foi a responsável por passá-la adiante. Isso nos é passado por homens e mulheres.

A Patologia do Ciúmes – Dom Casmurro (ele, Bentinho, assim chamado numa alusão a sisudo, carrancudo, triste), é uma obra no mínimo curiosa. Afinal, quem poderia imaginar que cem anos após o lançamento do livro, ainda hoje, se reúnam para saber se Capitu traiu ou não Bentinho (acreditem, existem grupos que se reúnem para isso). A psicologia das personagens principais: Bentinho, Capitu e Escobar, são debatidas e pensadas na maioria das vezes dentro de uma só ótica. Capitu traiu ou não Bentinho? Foi Capitu, ou não, a responsável pelo fim trágico do suposto triangulo? Teorias a parte, percebo que a obra nos oferece uma perspectiva rica em fatos que evidenciam a patologia do ciúme como pano de fundo, principal e motivadora de toda a trama. Bentinho é um fraco, submisso as vontades da mãe, inseguro, e que precisa de uma justificativa para se colocar em um plano superior a mulher que julga ser sua. Essa mesma doença é responsável pela maioria dos assassinatos cometidos por “homens” contra mulheres em nossa sociedade. Os “motivos” são vários, ou os mesmos: separação, rompimento de namoro, ou um basta nos maus tratos sofridos por parte do “companheiro”. A fantástica trama escrita em 1900, hoje, certamente renderia a Machado de Assis alguns elementos mais tristes. Ainda que as mulheres tenham avançado em suas conquistas (mulheres não negras principalmente), continuam a sofrer com o machismo e sentimento de posse por parte de alguns homens desequilibrados. Elas, buscam a realização profissional, liberdade e o exercício da sua completude natural de mãe. Eles, o exercício do poder pela posse e submissão do outro por meio da força. As mulheres querem ser justas. Eles querem ser juizes e ao mesmo tempo algozes.


Hanka Nogueira


Luz e Força