sexta-feira, 8 de maio de 2009


(Re) Avaliação do 13 de Maio de 1888


Existe uma História do negro sem o Brasil;
o que não existe é uma História do Brasil sem o negro.
Januário Garcia.

No próximo dia 13 de maio, será comemorado os 121 anos da abolição da escravidão no Brasil. Ainda que o ato, sem medidas de reparação, tenha estabelecido a sub-cidadania da população negra que perdura até os dias atuais, por mérito, representa uma conquista dos negros e negras que lutavam nos quilombos espalhados pelos quatro cantos do país, dos abolicionistas que pregavam a necessidade de se por fim ao estagnado sistema escravista, de setores da população civil que não mais queriam a condição de ser a única nação do mundo a manter a escravidão, e da imprensa engajada que publicizava a necessidade de acabar com tão espúrio sistema de exploração. O sistema colonial brasileiro e suas práticas estagnadas, representavam um retrocesso no novo mundo que se desvencilhava com o avanço da industrialização e do crescimento da burguesia comercial, configurando-se, sem dúvida, como um dos motivos de extrema relevância para se por fim ao regime escravocrata. Mas, não o único.

A “história” oficial criou o mito da benevolência da princesa Isabel, que no dia de Nossa Senhora de Aparecida libertou os escravos num ato de bondade. Hoje, historiadores renomados – entre eles: João Reis, Wlamyra Albuquerque, Walter Fraga Filho com a obra: Encruzilhada da Liberdade, Maria Helena Machado com a obra: O Plano e o Pânico – em consonância com a lei 10.639 / 2003, que institui a obrigatoriedade da educação das relações étnico-raciais e o ensino da História e Cultura Afrobrasileira na Educação Nacional, revisam o fato histórico com um profundo teor realista e cientifico, apontando um novo olhar sobre o acontecimento histórico da abolição. Possibilitando a população brasileira, em especial aos educadores, novos paradigmas pedagógicos de abordagem da data.

Sobre o caminho pensado pelos escravocratas, as razões e interesses da invenção da liberdade e sua construção lenta e gradual como forma de não haver rupturas radicais no sistema desigual e racialmente delimitado - que ainda persiste em nossa sociedade - é facilmente identificado nas leis paliativas criadas para se postergar o fim do regime, a exemplo da: Lei do Ventre Livre (1871), por esta lei toda criança filha (o) de escrava, que nascesse a partir daquela data não era mais escravo (a), e sim “livre”. A mãe continuava escrava, mas a criança juridicamente “livre”. Sendo que, até os 8 anos de idade a criança ficava com a mãe, depois dessa idade, se fosse embora, o proprietário da mãe recebia uma indenização do Estado, mas a criança não recebia nada. Caso contrário, ficava até os 21 anos de idade prestando serviços ao dono da mãe. Vale a pena lembrar que até os 21 anos de idade o escravo atingia o seu período de maior produção. A lei Saraiva – Cotegipe ou Lei do Sexagenário (1885), o escravo que fizesse 60 anos estaria automaticamente livre. O problema é que pouquíssimos escravos conseguiam chegar aos 60 anos devido ao regime extremamente desumano e cruel da escravidão. Os que chegavam, estavam em condições de completo esgotamento físico, improdutivos para os senhores de engenho, peças facilmente descartável.

Em resposta a banalização das correntes históricas com as lutas de resistência coletivas e individuais dos escravos, e da tentativa de transformar a Princesa Isabel em heroína da liberdade escrava. O movimento negro na década de 80, afirma o 20 de novembro, data de aniversario de morte de Zumbi dos Palmares – líder do maior Quilombo brasileiro - como dia da Consciência Negra, atendendo a necessidade de reconhecimento dos movimentos de resistência contra a escravidão no passado, e na luta pela construção da cidadania na modernidade. As ações dessa vez se voltam para a desconstrução da errônea afirmação de que o Brasil é uma democracia racial, evidenciando-se a subcidadania negra criada pela não reparação dos danos causados pelo quase 400 anos do escravismo no Brasil. Hoje, se faz necessária uma leitura ampla dos movimentos de luta e resistência que levaram a abolição oficial da escravidão, apesar de setores da sociedade colonial insistirem em manter o regime escravocrata e os privilégios criados por ele.

No Brasil já existia um movimento insurgente contra a escravidão, movimento que contava com intelectuais, artistas e políticos a exemplo de: Visconde de Jequitinhonha, Luís Gama, Castro Alves, Joaquim Nabuco, André Rebouças, José do Patrocínio, e principalmente a participação da população que se organizava num movimento amplo que incluía poesia, musica, teatro, concertos, livros de ouro, bazares, clube feminino, caravanas e a participação de jornais e periódicos. Trava-se uma luta de idéias inéditas no País; Patrocínio (assinando Proudhomme) destroça o argumento de direito a propriedade: “A escravidão é um roubo”. Luís Gama, em SP, liberta mais 500 nos tribunais. A Confederação Abolicionista luta por aqueles que não chama de “escravos”, mas “escravizados”. No CE, jangadeiros boicotam o tráfico, destacando-se Francisco Nascimento o (Dragão do Mar). Começam as alforrias “espontâneas” (20 mil só no RJ, 1873-1885) Em atos públicos, passeatas, comícios nascem ações concentradas para emancipar todos os escravos: Ouvidor e Uruguaiana no R.J.; Largo de S. Francisco em S.P., vila Acarape no CE, em Porto Alegre e Amazonas. O movimento cresce e passa a contar com ações extralegais por parte de grupos armados e da população: ajudar fugas e quilombos, atacar capitães do mato, em SP são os Caifazes de Antônio Bento, também, intelectuais, estudantes, ferroviários, gráficos, muitos cocheiros. Em Campos, as Bastilhas de Luís Carlos de Lacerda incendeiam canaviais e arrancam escravos do tronco. O Clube do Cupim (PE), os grupos de Cesário Mendes (Cachoeira, BA) e Francisco Alves (Buquim, SE) dizem usar “Todos os meios”. A massa de escravos adere ao movimento pela fuga (1/3 dos 173 mil cativos de SP.) São as retiradas, que não deixam um só escravo em Rio Claro, SP. Nasce um quilombo de novo tipo abolicionista: o do Leblon (Rio); o do Jabaquara (Cubatão, SP.), com 10 mil habitantes, mil homens em armas, liderado pelo sergipano Quintino de Lacerda. Santos (SP) vira território livre. Matam-se senhores, capatazes e capitães do mato (estes já tem que ocultar as algemas ao conduzirem cativos), no que Luís Gama considera “atos de legitima defesa”. Certo que, após o 13 de maio a massa de ex-escravos deixa as fazendas sem opção, formam comunidades rurais de subsistência e os bairros africanos como Pequena África (Saúde, Rio) são marginalizados, vigiados, perseguidos, criando um débito histórico com a população negra que não foi indenizada pelos 358 anos de escravidão. A liberdade representada na prática da cidadania plena, ainda é uma condição a ser conquistada, mas, lutamos para a abolição ser construída. E vamos continuar a lutar para livrar o país das sequelas da escravidão, como queriam os abolicionistas em 1888.

Hanka Nogueira

Luz e Força